O marxismo de César Guardia Mayorga

Professor, filósofo, poeta e intelectual marxista, notabilizou-se pela defesa da Reforma Agrária e da cultura indígena como fundamentos da construção nacional peruana Por Sara Beatriz Guardia * [Tradução: Yuri Martins-Fontes e Pedro Rocha Curado] GUARDIA MAYORGA, César Augusto (peruano; Lampa/Peru, 1906 – Lima, 1983) 1 – Vida e práxis política César Augusto Guardia Mayorga nasceu no estado de Ayacucho, no Sul do Peru. Fez a escola fundamental no distrito de Lampa e o ensino médio no Colegio Nacional Nuestra Señora de Guadalupe, em Lima, e no Colegio Nacional Independencia, em Arequipa, onde editou a revista estudantil Burbujas. Em 1929, entrou na Faculdade de Letras da Universidad Nacional de San Agustín, em Arequipa; na mesma instituição, cinco anos depois, obteve seu doutorado em História, Filosofia e Letras com a tese Apuntes de la sierra (1934) – descrita por um de seus examinadores como “uma importante contribuição à sociografia nacional”. No ano seguinte, Mayorga se casou com a professora Manuela Aguirre Dongo, com quem teria seis filhos. E em 1937, deu início às atividades de docência na mesma universidade em que se formou, passando a ministrar o curso de História da Filosofia Antiga e Metafísica. Neste mesmo ano, obteve um registro para atuar como advogado e publicou seu primeiro livro Historia contemporánea. Em 1943, na qualidade de presidente da filial de Arequipa da Associación Nacional de Escritores, Artistas e Intelectuales (ANEA), foi convidado a dar palestras sobre temas filosóficos no Chile, para onde viajaria, proferindo seis conferências e estabelecendo aí fecundas amizades. Dois anos depois, foi nomeado vice-diretor da Facultad de Letras da Universidad de San Agustín e publicou sua conhecida obra Reconstruyendo el aprismo (1945). Com o objetivo de se dedicar à docência universitária, em 1946 interrompeu sua atividade na advocacia. Neste ano publicou Psicología infantil y del adolescente e fundou a Facultad de Educación na mesma universidade em que dava aulas, além de ter assumido o cargo de diretor do Colegio Universitario e de diretor de conferências do Colegio de Abogados. No ano seguinte veio à luz seu fascículo Filosofía y Ciencia (1947) e, em 1949, preocupado com o problema de se desenvolver a educação e a filosofia no Peru, Guardia publicou o livro Terminología filosófica e o artigo “Reforma Universitaria” – na Revista de la Universidad de San Agustín, periódico ao qual, como diretor, ele deu nova orientação editorial. Por este tempo, o general Manuel A. Odría (1948-1956) levara a cabo um golpe de Estado contra o presidente José Luis Bustamante y Rivero (outubro de 1948), inaugurando um regime militar que passou a reprimir seus opositores. Assim, a fim de se legitimar no poder, em 1950 Odría convocou eleições, nas quais que se apresentou como o único candidato. Como resposta, protestos tomaram forma e, em junho deste ano, estudantes do Colegio de la Independencia, de Arequipa, entraram em greve contra a farsa eleitoral organizada pela ditadura militar. Entrincheirados em suas posições, os jovens rechaçaram a entrada da polícia que, por sua vez, não hesitou em usar armas de fogo; sangue foi derramado pelos corredores enquanto os estudantes corriam para a Plaza de Armas sem outra defesa que não fosse a força de sua indignação. Uma vez ali, decidiram subir a torre da catedral para tocar os sinos, numa tentativa desesperada de reunir apoio. A população respondeu: pessoas tomaram as ruas, formaram barricadas, ocuparam estabelecimentos e exigiram a demissão do coronel Daniel Meza Cuadra, prefeito de Arequipa. O protesto durou vários dias. Em reunião aberta, os insurgentes proclamaram uma Junta Provisória, cuja primeira ação foi lançar um manifesto apontando o início da “revolução pela liberdade do povo peruano e a reivindicação dos direitos de cidadania”. Uma greve geral foi decretada em seguida, contando com a adesão de instituições como a Universidad Nacional de San Marcos, o Colegio de Guadalupe (Lima) e as universidades de Cuzco, Puno e Trujillo. A repressão do governo recrudesceu, até que a Universidad de San Agustín – ponto nevrálgico da resistência – caiu em poder do exército. A rebelião contra a ditadura havia sido derrubada. Cerca de um mês depois, o governo informou ao reitor Alberto Fuentes Llaguno que a universidade seria fechada se o clima de agitação política continuasse. Algum tempo depois, no início de 1952, César Guardia Mayorga e mais sete professores (Teodoro Núñez Ureta, Humberto Núñez Borja, Eduardo Rodríguez Olcay, Ernesto Rodríguez Olcay, Alfonso Montesinos, Javier Mayorga Goyzueta e Carlos Nicholson) foram expulsos da Universidad Nacional de San Agustín sob a acusação de fomentar a rebelião estudantil. Obrigado a deixar seu país, Guardia foi convidado pelo sociólogo comunista Arturo Urquidi, reitor da Universidad Mayor de San Simón de Cochabamba, para dar aulas nesta instituição boliviana; mudou-se então para o país vizinho, onde foi nomeado professor das disciplinas de Introdução à Filosofia e de História da Filosofia. Durante os anos em que viveu com sua família na Bolívia, organizou e dirigiu o Seminário de Filosofia desta universidade, foi membro da Comisión de la Reforma Universitaria e colaborou com as revistas Jurídica e Cultura (a qual era dirigida pelo intelectual e jornalista Eduardo Ocampo Moscoso). Neste período, o marxista peruano viveu um tempo conturbado da história boliviana – o primeiro governo do presidente Víctor Paz Estensoro (1952-1956) –, em que a Universidad de San Simón sofreu a intervenção de uma “comissão organizadora”, a qual impôs ao Conselho Universitário a demissão de Guardia, devido a sua filiação comunista, além de ter expulsado outros docentes bolivianos também socialistas. Diante da arbitrariedade, organizou-se uma greve geral de professores e estudantes, movimento que acabaria por conseguir que o Conselho Universitário revogasse a decisão. Guardia Mayorga foi então informado de que poderia voltar a lecionar suas disciplinas de Filosofia; porém, respondeu dizendo que só regressaria quando todos os demais professores que haviam sido dispensados fossem recontratados. Após três meses de greve e mobilizações estudantis, os professores sancionados voltaram às salas de aula. Na Universidad de San Simón, Guardia Mayorga proferiu algumas de suas conferências mais emblemáticas, tais como: “Concepto de la Filosofía”, “Rumbos de la Filosofía y la CienciaContinuar lendo “O marxismo de César Guardia Mayorga”