O marxismo de Luis Emilio Recabarren

Tipógrafo, editor, jornalista e intelectual autodidata, foi militante sindical, dirigente político, fundador do Partido Comunista de Chile e intenso propagador das ideias socialistas Por Daniel de Souza Sales Borges * RECABARREN Serrano, Luis Emilio (chileno; Valparaíso/Chile, 1876 – Santiago, 1924) 1 – Vida e práxis política Luis Emilio Recabarren Serrano era filho de José Agustín Recabarren e Juana Rosa Serrano, dois pequenos comerciantes e pais de mais cinco irmãs e um irmão. Estudou por quatro anos na escola de padres salesianos Santo Tomás de Aquino, antes de sua família se mudar para Santiago, em busca de melhores condições de vida. Na capital, a necessidade de ajudar a família o fez arranjar um emprego como tipógrafo em uma pequena oficina, quando tinha apenas 14 anos. De forma autodidata, por meio de seus colegas de trabalho e do pequeno movimento operário de Santiago, começou a ter contato com obras de literatura e filosofia, que constituiriam as bases da sua formação. Em 1894, aos 18 anos, Luis Recabarren se casou com Guadalupe del Canto, sua prima, e com ela permaneceu até 1911 – tendo dois filhos, Luis Hermenegildo e Armando (que faleceu ainda bebê). A atuação de Recabarren como jornalista militante se iniciou por volta de 1898, quando publicou no jornal La Tarde, de Santiago, uma carta dirigida ao diretor do periódico, com quem polemizava, defendendo o socialismo e afirmando sua simpatia pelas ideias socialistas – com vistas a levar a cabo “transformações sociais” e “fazer desaparecer as injustiças”. No ano seguinte, engajou-se firmemente na atividade publicística socialista, passando a atuar como secretário do Comitê Diretivo do jornal La Democracia, de Santiago, do qual no ano seguinte chegou a ser diretor. A publicação era editada pelo Partido Democrático (PD), um pequeno partido composto, principalmente, por trabalhadores urbanos, no qual Recabarren ingressara em 1894. Em 1901, divergências levaram esse partido a se dividir em duas organizações: a liderada por Malaquias Concha, chamada de “reglamentaria”; e a liderada por Francisco Landa – à qual Recabarren se associou –, dita “doctrinaria”. A natureza de suas atividades partidárias e de divulgação socialista em jornais operários fez com que Recabarren retornasse a Valparaíso, ainda em 1902. No ano seguinte vivenciou seu primeiro período na prisão, acusado de fraude em atas eleitorais. Posto em liberdade após três meses, foi eleito vice-presidente da mesa diretiva da organização do II Congreso Nacional Obrero, em setembro de 1903. Neste mesmo ano, sua militância se intensificou e atingiu maior relevância, ao ser convidado por Gregorio Trincado, presidente da Sociedad Mancomunal de Tocopilla (uma sociedade de ajuda mútua mantida pelos trabalhadores), para fundar e editar um periódico com o objetivo de representar e defender os interesses desta organização trabalhista. As reivindicações por liberdades democráticas, embora consagradas pelo ideário liberal, encontravam eco nos trabalhadores das minas do Norte do país, que apesar de estarem vivendo a expansão do ciclo do salitre, estavam subjugados pela superexploração da sua força de trabalho – e neste contexto as sociedades mancomunais foram importantes na conquista de melhores condições laborais, além de fortalecê-los nas negociações coletivas com os patrões. A participação nas sociedades mancomunais e a proximidade com os mineiros do norte do país forjariam sua formação durante estes tempos, sendo seu pensamento e militância impactados a partir das lutas, formas de associação e difusão de ideias daqueles trabalhadores. Assim, em outubro deste ano, surgiu a primeira edição do jornal El Trabajo, no qual Recabarren manteve intensa atividade militante contribuindo com 43 artigos – motivo pelo qual seria preso novamente, em janeiro de 1904, sob a acusação de “subversivo”. Durante sua prisão, travou polêmicas com anarquistas chilenos sobre os rumos do movimento operário do país. Recabarren, homem de partido, embora tivesse sido também influenciado pelo anarquismo, era crítico de muitas das concepções autonomistas; pouco antes de ser libertado, escreveu um texto no qual definia com firmeza sua posição política, afirmando-se um “socialista revolucionário”. Em outubro de 1904, ao sair do cárcere, retomou sua atividade jornalística em El Trabajo e El Proletario, este último o jornal da seção local do PD. Em 1906, sua reputação, construída como jornalista operário junto aos trabalhadores, muito contribuiu para elegê-lo (pelo PD) deputado nacional, pelo estado de Antofagasta. Com esta eleição, encerrou-se para ele um ciclo de intensa atividade no Norte chileno, movendo-se novamente para Santiago para tomar posse. Na capital, Recabarren foi impedido de assumir o mandato parlamentar devido a manobras jurídicas e políticas, tanto dentro de seu partido, o PD, quanto do Partido Radical, o que resultou em uma acusação de fraude e nova ameaça de encarceramento. Recabarren partiu então para um exílio na Argentina, desembarcando em Buenos Aires em 1907. Manteve aí sua atividade jornalística e, desde que chegou ao país, integrou-se tanto ao Partido Socialista argentino como ao movimento operário local, o qual admirava devido a seu avançado processo de consciência de classe – ainda que influenciado por ideias anarquistas (das quais ele se afastava). Neste mesmo ano, houve uma tentativa de aproximação entre as duas principais associações operárias da Argentina, a Unión General de Trabajadores e a Federación Obrera Regional Argentina, para fundirem-se na Confederación General del Trabajo. Assim, entre março e abril de 1907, no Teatro Verdi (capital federal), foi realizado o Congreso de Unificación de las Organizaciones Obreras, com a participação de mais de uma centena de sindicatos e grêmios, dentre os quais a Unión Gráfica, entidade pela qual Recabarren compareceu como representante – fazendo uma dura intervenção contra as falas dos dirigentes anarquistas presentes. O resultado, naquele momento, foi o fracasso das tratativas para a unidade das duas associações. Rompendo definitivamente com o anarquismo, Recabarren reforçou suas convicções marxistas, trabalhando ativamente – embora sem sucesso – para revisão do programa (de 1887) do PD, bem como por sua mudança de nome para Partido Democrata Socialista, com o objetivo de torná-lo afiliado à II Internacional (Socialista). Com este intuito, em 1908 viajou à Europa e se encontrou com líderes socialistas, como Jean Jaurès na França, Pablo Iglesias na Espanha e Emile Valdeverde, na Bélgica – tendo assistido,Continuar lendo “O marxismo de Luis Emilio Recabarren”