O marxismo de Rodney Arismendi

Intelectual, jornalista e parlamentar, foi dirigente do Partido Comunista del Uruguay e fundador da coalizão Frente Amplio, lutando especialmente pela unidade de ação dos socialistas e trabalhadores uruguaios Por Mateus Fiorentini e María Luísa Battegazzore * ARISMENDI, Rodney (uruguaio; Rio Branco/Uruguai, 1913 – Montevidéu, 1989) 1 – Vida e práxis política Rodney Arismendi foi um destacado líder político uruguaio. Filho de Etelvina Carrasco e Tibaldo Arismendi, nasceu no estado de Cerro Largo, fronteira com o Brasil. Sua família provém de fundadores da cidade de Montevidéu, com histórico de atuação política junto ao Partido Colorado (PC) – especialmente com os grupos chamados batllistas, identificados com a herança do ex-presidente uruguaio José Batlle y Ordoñez. Foi na biblioteca de seu pai que Arismendi deu início a suas primeiras leituras literárias e de textos políticos. Aos 15 anos, Arismendi separa-se da família com o objetivo de desenvolver seus estudos, passando a viver na cidade de Melo, também em Cerro Largo. Durante seus anos no liceu da cidade, sozinho e vivendo com os parcos recursos enviados pela família, travou contato com obras relacionadas ao marxismo. Ali, reunia-se em grupos dedicados à obra de Gorki e Marx, além de escrever poemas. Já na Faculdade de Direito, em Montevidéu, integrou a organização Estudiantil Roja e, em 1931, filiou-se ao Partido Comunista del Uruguay (PCU). No movimento estudantil, teve um papel protagonista na resistência à ditadura de Gabriel Terra (1933-1938), marcada pelo confronto deste governo com o Exército e universitários – o que acabou aproximando estudantes e militares. Arismendi, que então trabalhava no Ministério de Defesa Nacional, foi indicado pelo PCU como responsável pela Comissão Militar do partido, com o objetivo de estreitar laços com membros das Forças Armadas. Seu envolvimento com as lutas estudantis o levou à prisão duas vezes, durante essa ditadura. Como representante da juventude comunista no movimento de solidariedade à República Espanhola, Rodney Arismendi colaborou com os latino-americanos que integravam as Brigadas Internacionais de Solidariedade, na Guerra Civil Espanhola (1936-1938). Considerando o contexto uruguaio, essas manifestações de apoio se converteram em um forte polo de aglutinação em defesa da democracia, no qual Arismendi se tornou um personagem de destaque, o que lhe permitiu estabelecer vínculos com importantes referências do marxismo e do movimento comunista internacional. Sob orientação do PCU, realizou várias palestras pelo país, com o objetivo de combater a campanha anti-soviética promovida pela imprensa corporativa uruguaia, ocasião em que produziu o texto La justicia soviética defiende al mundo (1938), folheto editado pelo partido. Em princípios da década de 1940, Arismendi assumiu a direção de Justicia, periódico do PCU e, em seguida, do Diario Popular – um jornal antifascista de relevante atuação para a criação da Unión General de Trabajadores (UGT), em 1942. Entre 1941 e 1945, perseguido por sua atividade como jornalista, exilou-se no Chile e na Argentina, antes de retornar clandestinamente ao Uruguai. Só voltou a ter uma atuação legal após a intensa campanha Libertad para Arismendi (que resultaria em sua anistia, concedida pela Câmara de Deputados). Foi neste tempo entre exílio e clandestinidade que se deu o amadurecimento intelectual de Arismendi – cujos primeiros frutos se veriam com a publicação dos ensaios La filosofía del marxismo y el señor Haya de la Torre (1945), e Para un prontuário del dólar (1947). Em 1946, o comunista uruguaio assumiu mandato como deputado nacional, iniciando uma trajetória de 27 anos consecutivos como parlamentar, interrompida apenas pelo golpe de Estado de 1973 (com que se instaurou a ditadura militar que duraria até 1985). Como parlamentar, converteu-se em porta-voz das demandas populares de movimentos sociais; reconhecido como grande negociador, destacou-se pela defesa dos trabalhadores de frigoríficos e por sua participação na Comisión de Asuntos Financieros y Bancários da Câmara. Em 1955, no XVI Congresso do PCU, Arismendi assumiu a secretaria-geral do partido, inaugurando um período de renovação. Por estes anos, que se estendem até o golpe de 1973, o PCU, sob sua liderança, viveu um significativo crescimento, tornando-se a principal força da esquerda uruguaia. A atuação do marxista foi voltada a temas ligados à organização do partido e ao aprofundamento dos debates em torno da construção da unidade do campo popular e socialista do país – o que culminaria mais tarde com a fundação da coalizão Frente Amplio. Além disso, ele buscou renovar a interpretação do partido em relação à formação social uruguaia e latino-americana, desenvolvendo sua “Teoria da Revolução Uruguaia”. Sob sua condução, o PCU trabalhou pela unificação do movimento operário e social, cujo ponto alto foi a realização do Congreso del Pueblo, em 1965. Este espaço de construção de pautas unitárias de movimentos sociais e populares serviu de base para a organização da Convención Nacional de los Trabajadores (CNT), responsável por unificar o movimento sindical do país (processo que se dá entre 1964 e 1966). No Uruguai, as décadas de 1950 e 1960 foram marcadas por diálogos com o Partido Socialista (PS) e pela construção de experiências frentistas: como a Frente Izquierda de Liberación (FIDEL), criada por iniciativa do PCU; e a Unión Popular (UP), pelo PS. Com o fracasso da UP, nas eleições de 1962, e a adoção das medidas repressivas – a partir de 1968, pelo governo de Jorge Pacheco Areco (Colorado), conhecidas como Medidas Prontas de Seguridad –, a estratégia unitária do PCU galvanizou apoio no campo da esquerda uruguaia. Tal perspectiva de unidade do campo democrático e popular ganharia amplitude com a incorporação do Partido Democrata Cristiano (PDC) aos debates. Assim, em 1971, com a atuação concertada entre o PCU, PS, PDC e setores dos partidos Nacional e Colorado, surgiu o Frente Amplio. Nesse contexto, especialmente após o triunfo da Revolução Cubana (1959), Arismendi se dedicou à formulação sobre o que chamou de “caminhos e vias” de aproximação à revolução socialista. Desempenhou um papel importante no acercamento entre o governo revolucionário cubano e a URSS, construindo relações estreitas em ambos os países, o que impactaria as discussões políticas em âmbito nacional e regional. Destaca-se aqui a visita de Che Guevara ao Uruguai, em 1961, por ocasião do encontroContinuar lendo “O marxismo de Rodney Arismendi”