O marxismo de Astrojildo Pereira

Gráfico, jornalista, ensaísta e crítico literário, foi fundador e dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCB), destacando-se como divulgador do comunismo e por contribuir para a formulação de uma das primeiras interpretações marxistas da realidade brasileira Por John Kennedy Ferreira e Felipe Santos Deveza PEREIRA Duarte Silva, Astrojildo (brasileiro; Rio Bonito/RJ, 1890 – Rio de Janeiro/RJ, 1965) 1 – Vida e práxis política Astrojildo Pereira Duarte Silva nasceu em Rio dos Índios, pequeno povoado do estado do Rio de Janeiro, sendo filho de Ramiro Pereira Duarte Silva e de Isabel Neves da Silva. Seu pai, descendente de portugueses e formado em medicina, foi fazendeiro, comerciante e pequeno industrial, vindo a migrar do interior para Niterói e depois para o Rio de Janeiro. Em sua cidade natal, Astrojildo estudou inicialmente em escola pública e depois particular. Com o crescimento dos negócios da família, aos 13 anos mudou-se para Nova Friburgo (RJ), matriculando-se no tradicional Colégio Anchieta, dirigido por jesuítas. Influenciado pelo novo ambiente, nutriu o desejo de ser “frade, não padre”, mas logo se desencantou com a fé, ao considerar que seus professores católicos mentiam – e a partir desse momento rompeu com o catolicismo. Nesse colégio terminou o ensino secundário e, sem motivação para continuar os estudos formais, dedicou-se durante um tempo ao empreendimento do pai. Trabalhou como gráfico e jornalista, além de ensaísta, tornando-se um leitor apaixonado e dono de um “autodidatismo arquiatabalhoado”, como ele mesmo se descrevia. Desde cedo, dedicou-se à militância política. Com um engajamento ativo, de início apoiou a candidatura liberal de Rui Barbosa à Presidência da República (1910); mais tarde, indignado com a ação do Estado contra a Revolta da Chibata (1910), aderiu ao ideário anarquista. Em 1913, ajudou a organizar o II Congresso Operário Brasileiro. Após o evento, passou a colaborar com diversos órgãos da imprensa anarquista e sindical, e desde este momento passou a ser reconhecido como uma das principais lideranças operárias. Durante a I Guerra Mundial, Astrojildo notabilizou-se por denunciar o caráter imperialista do conflito, sustentando a neutralidade brasileira. Quando eclodiu a Revolução Russa de 1917, acompanhou as matérias reproduzidas pelas agências franco-inglesas – que chegavam à América Latina através das agências de notícias de países envolvidos na Guerra. Nos noticiários, os “maximalistas”, como foram chamados os revolucionários russos, seriam tratados como agentes da espionagem alemã, como bandidos arruaceiros e, algumas vezes, como sonhadores utópicos ou infantis. Por meio de investigações e de análise crítica, Astrojildo procurou esclarecer o que estava realmente ocorrendo na distante Rússia –governada pelo regime absolutista dos czares –, país que, desde fevereiro de 1917, parecia oscilar entre uma situação de caos, um regime liberal “de tipo ocidental” e algo novo. Em 1918, sob o pseudônimo Alex Pavel, o até então adepto do anarquismo escreveu uma série de cartas à imprensa dominante da época, em que questionava as premissas difundidas acerca do caráter da Revolução Russa e de personagens como Lênin. Ainda neste ano, com alguns camaradas anarquistas, liderou a tentativa de insurreição armada de trabalhadores no Rio de Janeiro – sendo preso por alguns meses. Foi neste processo de evolução política internacional que Lênin e os revolucionários marxistas passaram a se tornar a solução para o impasse anarquista – e Astrojildo, como muitos libertários da época, logo viria a ser um fervoroso apoiador dos bolcheviques e da nova Internacional Comunista (IC). Em março de 1919, após uma greve geral e uma tentativa frustrada de criar um soviete, Astrojildo e seu grupo resolveram aceitar a convocação feita pela recém-criada IC – e fundaram um efêmero Partido Comunista do Brasil. Os principais organizadores deste partido, além dele, foram: José Oiticica, Maria de Lourdes Nogueira, Octávio Brandão e Edgard Leuenroth. Uma interessante característica desta agremiação foi a de que seus líderes eram mais anarquistas do que propriamente comunistas. E o grupo logo se dividiu entre os que apoiavam a Revolução Russa e os que eram críticos do processo. Conforme se aguçaram as intervenções contrarrevolucionárias na Rússia, bem como as contradições entre as correntes que apoiavam a Revolução Bolchevique, Astrojildo passou a liderar os grupos favoráveis à Rússia Soviética, sobretudo por meio do jornal Spartacus – embora tenha mantido como objetivo a unidade do movimento sindical (que neste momento estava em refluxo). Em 1920, ajudou a organizar o III Congresso da Confederação Operária Brasileira (COB), buscando trazer como modelo ao movimento sindical brasileiro a linha do sindicalismo estadunidense da Industrial Workers of the World (IWW) [Trabalhadores Industriais do Mundo], que era um exemplo de frente única entre anarquistas e socialistas marxistas. Este esforço, porém, não alcançou o resultado esperado. Após a realização do III Congresso da IC e do contato que estabeleceu com um representante da Internacional, Astrojildo decidiu empenhar-se na formação de um partido comunista. Em 7 de novembro de 1921 foi criado o Grupo Comunista do Rio de Janeiro – o qual estimularia a organização de outros coletivos. Pouco depois, em 25 de março de 1922, foi fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), que se tornaria a Seção Brasileira da IC (sendo, na década de 1960, renomeado Partido Comunista Brasileiro, devido a questões de registro legal). Contudo, em julho deste ano, o país passou a viver sob estado de sítio – o que duraria até dezembro de 1926 – e, com isto, o novo partido foi logo lançado à ilegalidade. Com o Levante do Forte de Copacabana (julho de 1922), a insurreição dos tenentes e sua breve tomada de poder em São Paulo (1924), Astrojildo percebeu que a conjuntura da época apontava para um colapso do regime político nascido com a República. Isso levou a que ele e o Comitê Central do PCB buscassem alianças com a juventude militar rebelada – setor da pequena burguesia brasileira que representava e impulsionava certas demandas democráticas. Para tanto, Astrojildo foi até a Bolívia (em 1927) encontrar-se com Luiz Carlos Prestes e propôs ao comandante tenentista a composição de uma aliança política; na ocasião, o Cavaleiro da Esperança e outros militares insurretos leram e discutiram os materiais e livros trazidos peloContinuar lendo “O marxismo de Astrojildo Pereira”