Historiador e professor, liderou a independência de Trinidad e Tobago – de que foi por duas décadas primeiro-ministro –, destacando-se também como um dos marxistas que desvelaram os vínculos entre a escravidão na América e o capitalismo Por Gustavo Velloso* WILLIAMS, Eric (trinitário-tobaguense; Porto Espanha, 1911 – Porto Espanha, 1981) 1 – Vida e práxis política Eric Williams nasceu na capital de Trinidad e Tobago, no início do século XX, quando o país era ainda uma colônia britânica especializada na produção de cacau, açúcar, coco e petróleo para o abastecimento do império inglês. Nesta época, o passado escravista era ainda muito vivo, e havia deixado como herança para aquela sociedade colonial diferentes formas de exploração laboral e uma massa de trabalhadores majoritariamente negra, pobre e iletrada, paga com baixos salários. A administração colonial operava de acordo com o sistema de “colônia da coroa” (“crown colony system”), o que impedia os nativos de elegerem representantes próprios para o parlamento britânico; grande parte do poder político estava concentrado nas mãos de um único homem – George Ruthven le Hunt –, representante do monarca inglês e governante local. De origem familiar pobre, Williams era filho de um funcionário público de baixo escalão, trabalhador dos correios da cidade. Por via materna, o futuro historiador herdou ascendência mestiça de raízes africanas e francesas. Sua infância esteve marcada por muitas dificuldades materiais da família, embora com períodos de alívio. Como estudante, destacou-se na escola primária e, em 1922, conseguiu uma bolsa de estudos para ingressar no prestigioso Queen’s Royal College [Colégio Real da Rainha]. Permaneceu em Porto Espanha até 1931, ano em que conquistou uma das poucas vagas reservadas aos estudantes caribenhos que desejassem se transferir para Oxford ou Cambridge, na Inglaterra. Nesses anos de estudante, conheceu o historiador, jornalista e militante socialista Cyril Lionel Robert James, cujas ideias políticas o influenciariam. Em 1932, cruzou o oceano Atlântico em companhia de James para cursar História na University of Oxford, em Londres. Ali, estabeleceu contato com um círculo radical de intelectuais anticoloniais negros, do qual participavam, entre outros, os revolucionários Kwame Nkrumah e George Padmore, além do próprio James. Depois de ter se destacado nas aulas de história moderna, Williams enveredou para o campo da pesquisa histórica, obtendo o título de doutor em 1938. Um ano depois, começou a lecionar na Howard University, em Washington (Estados Unidos), onde viveu até 1948. Durante esse período, participou ativamente de debates sobre os horizontes que se colocavam para os países caribenhos – cujos processos de independência se aproximavam. Entre 1943 e 1955, integrou a Anglo-American Caribbean Commission [Comissão Anglo-Americana para o Caribe], destinada a impulsionar o desenvolvimento econômico e político das ilhas caribenhas. Por este tempo, Williams regressou a Trinidad e Tobago (1948) e passou a liderar um movimento não violento pela independência política do país. Em 1956, após negociações com a Grã-Bretanha, Trinidad e Tobago obteve o direito de se autogovernar em assuntos internos. No mesmo ano, Williams ajudou a fundar o People’s National Movement [Movimento Nacional Popular], um partido político imbuído do objetivo de capitanear o projeto independentista. Indicado para o posto de premiê da Federação das Índias Ocidentais (1959-1962) – que, além de Trinidad e Tobago, incluía as então colônias Jamaica, Barbados e Ilhas de Sotavento –, Williams conduziu com os britânicos as negociações que resultaram na proclamação da independência de seu país, em 1962. Figura dominante do cenário político de Trinidad e Tobago, ocupou o posto de primeiro-ministro do Estado independente entre 1962 e 1981, ano de seu falecimento. Seus esforços à frente do Estado trinitário-tobagense foram particularmente fortes no campo educacional e no fomento à modernização da estrutura produtiva nacional – através da diversificação agrícola e industrial. Porém, sua condução dessa transformação ocorreu através da abertura do país ao capital estrangeiro; isso fez com que Williams adquirisse a reputação de uma liderança moderada, o que por vezes rendeu-lhe críticas do campo da esquerda (além do afastamento definitivo de C. L. R. James). Um dos episódios mais representativos da gravidade das tensões entre Williams e uma ala radical dos setores socialistas de Trinidad e Tobago ocorreu a partir de 1970, quando uma onda de protestos contra os altos índices de desemprego e a presença de empresas estrangeiras no país, liderada pelo movimento Black Power [Poder Negro], resultou em uma drástica escalada de violência. Embora o líder do país tenha, a princípio, se manifestado favoravelmente aos militantes, sua sinalização de apoio foi incapaz de conter os protestos. Depois que uma greve geral foi proclamada – e uma ala do Exército aderiu ao movimento, começando a defender a renúncia do primeiro-ministro –, Williams decretou estado de emergência (suspenso por ele mesmo em 1972), e promoveu uma repressão contra os manifestantes, chegando a solicitar a intervenção dos EUA para acalmar a situação (o que não chegou a se concretizar). Por sua liderança no processo de emancipação política de seu país natal, por sua produção como intelectual e atuação como estadista Williams é considerado um dos indivíduos mais influentes da história de Trinidad e Tobago, sendo tido como um “pai da nação”. Obteve muitas honrarias nacionais e internacionais, tanto por seus esforços de aproximação bilateral com diversos países da periferia do sistema capitalista, como pelo pragmatismo de seu governo – expresso na cooperação com países do bloco capitalista durante a Guerra Fria. Morreu em sua casa, dormindo, aos 69 anos, em março de 1981. 2 – Contribuições ao marxismo Eric Williams não teve um compromisso, por assim dizer, “doutrinário” com o marxismo. Nunca se preocupou em se vincular a tal ou qual corrente marxista, em submeter suas ideias à prova de algum conceito ou categoria específicos do materialismo histórico, ou mesmo em pautar a sua produção escrita em função daquilo que pode ou não ser encontrado nos textos clássicos do marxismo. Assemelha-se aqui a C. L. R. James, seu antigo tutor, que não sobrepôs aos processos históricos reais – por ele observados –, formulações teóricas produzidas em contextos distintos (nem as de Trótski, que o influenciou, nem de qualquerContinuar lendo “O marxismo de Eric Williams”