O marxismo de José Revueltas

Ensaísta, escritor, dramaturgo e roteirista, foi um intelectual comunista orgânico, tendo militado ativamente pelo Partido Comunista de México, e mais tarde pelo Partido Popular, Partido Obrero-Campesino e Liga Leninista Espartaco, da qual foi fundador Por Víctor Manuel Ramos Lemus * REVUELTAS, José (mexicano; Santiago Papasquiaro / México, 1914 – Cidade do México, 1976) 1 – Vida e práxis política José Maximiliano Revueltas Sánchez nasceu no estado de Durango, no Noroeste do México. Mudou-se para a Cidade do México em 1920, aos seis anos de idade, e foi matriculado no Colegio Alemán, o mesmo que havia sido frequentado pelos seus irmãos mais velhos. No entanto, com o falecimento do pai, em 1923, problemas econômicos afetaram a família, o que o obrigou a abandonar este colégio de elite e se transferir para o ensino público, além de ter sido obrigado a trabalhar desde cedo para apoiar o orçamento familiar. Foi membro de uma família de doze irmãos, três dos quais se distinguiram no âmbito da cultura: Silvestre Revueltas (proeminente músico e diretor de orquestra); Fermín Revueltas (que com Diego Rivera, Siqueiros, Orozco e outros integrou a primeira geração do muralismo pós-revolucionário); e Rosaura Revueltas (dançarina e atriz, protagonista de entre outros O sal da terra, filme de 1954 que se destacou por sua crítica social). Embora o próprio José Revueltas tenha afirmado que o impulso para sua militância política proveio do contato que teve, desde menino, com a realidade dos bairros pobres próximos a sua escola particular alemã (em que via ruas sem asfalto, esgoto ao ar livre e crianças magras), neste percurso foi também decisiva a influência dos seus irmãos Silvestre e Fermín, fervorosos militantes do Partido Comunista de México (PCM): Silvestre chegou a ser presidente da Liga de Escritores e Artistas Revolucionários em 1936; e Fermín foi um ativo militante do Sindicato de Obreros Técnicos, Pintores, Escultores do México (SOTPE). De acordo com José, foi explorando as ruas do mercado popular de La Merced, no centro da capital mexicana (onde sua família tinha uma mercearia), que estabeleceu contato com diversas figuras dos setores pobres e marginalizados da sociedade mexicana, como curandeiros, agiotas, cafetões, prostitutas e malandros. Tal vivência contribuiu para agudizar seu senso crítico diante de um país que, mesmo saindo de um período de luta armada revolucionária, ainda mantinha as estruturas de desigualdade econômica e política que historicamente o caracterizaram. Aos 13 anos, abandonou a escola, passando a ser um autodidata. Pouco tempo depois, começou a trabalhar em uma loja de ferragens, onde fez amizade com Manuel Rodríguez, um rapaz apelidado “Trotsky” porque lia muito o revolucionário russo e organizava, ao final do expediente, discussões sobre o socialismo com os colegas do estabelecimento. Foi graças a ele que Revueltas teve seu primeiro contato com muitos dos autores e temas vinculados ao marxismo. Em novembro de 1929, foi preso em um ato do PCM – declarado ilegal naquele ano –, organização da qual participava apenas como simpatizante. Ficou na cadeia por seis meses. Foi aí que, nas horas que tinha para ler, estudou intensamente o pensamento marxista, ao qual aderiu. Pouco depois de sua libertação, em 1930, filiou-se oficialmente ao partido. Por aqueles anos, estava acontecendo o trânsito da primeira para a segunda geração do marxismo no México, e os postulados da III Internacional, abraçados pelo núcleo duro do PCM, começavam a ser questionados por alguns dos seus militantes, como era o caso de Revueltas. Se, durante a primeira etapa, o raio de influência do PCM se estendia especialmente a sindicatos e organizações de caráter operário (como a dos artistas), na segunda, a política de “classe contra classe” foi questionada – afinal, tal estratégia já havia levado à ruptura entre comunistas e social-democratas na Europa. Em seu lugar, seria adotada pelo partido uma política de ampla unidade que foi conhecida internacionalmente como “Frente Popular”. É preciso dizer que a postura crítica mantida por Revueltas diante do PCM e da União Soviética (URSS) nunca afetou sua fidelidade ao marxismo, o que permite entender que, para ele, havia uma diferença entre militância e ideologia. Em duas ocasiões, em 1932 e 1934, foi preso e enviado às Islas Marías, um presídio de segurança máxima situado no Oceano Pacífico. Na primeira vez, havia participado de uma manifestação e, na segunda, estava envolvido em uma greve de trabalhadores agrícolas no estado de Nuevo León. Destas experiências, quase uma década depois, surgiu seu romance Los muros de agua (1941), cujo enredo trata de cinco jovens comunistas deportados a esse presídio; relacionando a situação entre os presos políticos e os presos comuns, a obra relata as violações aos direitos humanos e a degradação a que todos eles são submetidos. Em julho de 1935, foi enviado pelo PCM como delegado ao VI Congresso Internacional de Juventudes Comunistas e ao VII Congresso da Internacional Comunista (IC), do qual participou junto com Vicente Lombardo Toledano, principal intelectual marxista mexicano da época. Contudo, em 1943, Revueltas foi expulso do PCM, acusado de manter atividades “divisionistas”, juntamente com outros membros da célula José Carlos Mariátegui – que ele havia fundado em homenagem ao insigne marxista peruano. Sua expulsão foi um dos resultados da longa crise pela qual passou o partido, motivada por diferenças quanto a resoluções tomadas no VII Congresso, oito anos antes; sua célula fez então duras críticas ao diretório do PCM – que, por sua vez, respondeu acusando-o de “liquidacionista” (isto é, de querer acabar com o partido). Neste mesmo ano, após muito tempo de militância política e diversos trabalhos no jornalismo (inclusive em páginas policiais), publicou o romance El luto humano. Em 1944, sem partido, José Revueltas participou da criação de El Insurgente, um grupo marxista independente do PCM. A partir desse momento, começam também seus trabalhos como roteirista e dramaturgo. Em 1948, aderiu ao Partido Popular (PP), recém-fundado por Toledano. No ano seguinte publicou Los días terrenales, texto que ganhou destaque na literatura mexicana, gerando também polêmica entre os militantes do PCM. Dizendo-se “armado” com sua própria “experiência vivida”, o autor respondeu aos críticos que, na obra,Continuar lendo “O marxismo de José Revueltas”