O marxismo de Blas Roca

Autodidata, foi dirigente do primeiro e do atual Partido Comunista de Cuba, destacando-se como educador e divulgador do marxismo – pensamento que concebia como um guia a ser aplicado criativamente, e que buscou unir com as ideias de José Martí Por Lucilo Batlle Reyes* [Tradução de Yuri Martins-Fontes e Felipe Deveza] [PDF] BLAS ROCA; Wilfredo Calderío, Francisco (cubano; Manzanillo/Cuba, 1908 – Havana,  1987) 1 – Vida e práxis política Francisco Wilfredo Calderío López, conhecido como Blas Roca Calderío, nasceu em uma família de trabalhadores pobres e com tradição na luta pela independência cubana, sendo o mais velho de nove irmãos. Levou o sobrenome de sua mãe devido às normas da época. Na escola fundamental, mal alcançou a quarta série; ainda criança, teve que trabalhar em uma grande variedade de atividades para ajudar a sustentar sua casa. Sofreu forte opressão da sociedade burguesa-latifundiária e dependente de sua época, pois era pobre e mestiço – o que contribuiu para forjar seu espírito de rebelião contra a injustiça e a opressão. Com a ajuda de seu professor Ernesto Ramis, ainda bem moço, Wilfredo Calderío fez um curso de magistério, habilitando-se para lecionar na educação infantil; embora gostasse da profissão – que exerceu por dois anos (1924-1926) –, foi forçado a deixá-la, por não se submeter a manobras políticas. Assim, seguindo a tradição familiar, tornou-se sapateiro, e foi a partir daí que se ligaria para sempre às lutas da classe trabalhadora, unindo-se ao movimento sindical e travando contato com a literatura marxista. Em 1929, entrou no pioneiro Partido Comunista de Cuba (PCC), passando a dirigir o Sindicato dos Sapateiros de sua cidade; no ano seguinte, assumiu o cargo de secretário-geral da Federación Obrera de Manzanillo (FOM) e, ao mesmo tempo, secretário-local do partido. Nesta época sofreu sua primeira prisão política, no Castillo del Príncipe, em Havana, durante três meses. Em 1931, foi eleito membro do Comitê Central do PCC e, em 1932, preso pela segunda vez. Ao sair da prisão, no ano seguinte, preparou a greve geral em Manzanillo – contribuindo à mobilização que pôs fim à ditadura de Gerardo Machado. Já em 1933, participou do V Plenário do Comitê Central do PCC; neste evento, usou o pseudônimo Julio Martínez, mas logo, a pedido de Rubén Martínez Villena, adotou o pseudônimo Blas Roca – o qual, em 1939, quando foram convocadas as eleições para a Assembleia Constituinte, oficializou como seu verdadeiro nome. Ao retornar a Manzanillo, fundou o soviete de Mabay, o primeiro de Cuba. Pouco tempo depois, o partido o transferiu para Havana, incorporando-o como membro da Executiva Política (Birô) do Comitê Central. No fim de 1933, foi provisoriamente nomeado secretário-geral, cargo ratificado em 1934 (no II Congresso do Partido), no qual permaneceu até 1961, quando o Partido Socialista Popular (nome que o PCC passara a adotar em 1944) decidiu se dissolver para formar, juntamente com o Movimiento 26 de Julio e o Directorio Revolucionario 13 de Marzo, uma organização única dos revolucionários cubanos: as Organizaciones Revolucionarias Integradas (sob a liderança de Fidel Castro). Em agosto de 1934, Blas Roca fez sua primeira viagem à União Soviética para participar da reunião preparatória do VII Congresso da Internacional Comunista; um ano depois, chefiou a delegação do PCC em Moscou, sendo eleito membro de seu Comitê Executivo para a América Latina. Como tal, deu valiosa colaboração aos partidos operários e comunistas latino-americanos: caso de sua visita ao Brasil, durante a qual pôde encontrar Luiz Carlos Prestes na prisão, conversar com ele e ajudar a romper o isolamento em que fora mantido; e ainda, da atenção que deu ao Partido Comunista Mexicano, quando este atravessava uma crise de sua direção. Em 1940, presidiu a delegação do Partido Unión Revolucionaria Comunista (PURC), na Assembleia Constituinte. Desde então, até o golpe de Estado de Fulgência Batista, em 1952, foi membro da Câmara dos Deputados. Blas Roca forjou sua sólida cultura de maneira autodidata; lia de tudo. Em sua infância, entrou em contato com variadas obras, desde as de história cubana, às da literatura universal – como Os Miseráveis, Dom Quixote, entre outras disponíveis na biblioteca familiar. Isto alimentou seu pensamento com ideais democráticos e de justiça social, cujo núcleo foi o pensamento de José Martí. Mais tarde, quando começou a participar das lutas proletárias, entrou em contato com a literatura marxista. Leu então O ABC do Comunismo de Bukharin, O Estado e a Revolução de Lenin e A Crítica da Economia Política de Marx, que foram seguidos pelo Manifesto do Partido Comunista e pelo Capital, dentre outras obras clássicas do marxismo (à medida que chegavam em Cuba). Foi, enfim, uma síntese do intelectual revolucionário orgânico cubano do século XX, que articulou a cubanidade, a ética, o latino-americanismo e o anti-imperialismo de Martí, com a universalidade do marxismo-leninismo. A chegada de Blas Roca à alta direção do primeiro partido dos comunistas cubanos marca uma etapa qualitativamente superior no processo de amadurecimento marxista-leninista desta agremiação – enquanto instrumento político de vanguarda da revolução cubana. A experiência organizacional do marxista – nascida de sua militância de base, de estudos teóricos permanentes e de seu trabalho para unificar o partido –, juntamente com seu esforço e dedicação, o convenceu da necessidade de repensar a estratégia e as táticas do partido: como uma ciência da liderança da luta de classes dos trabalhadores, nas condições específicas dos países coloniais e dependentes. Assim, se iniciaria uma radical mudança tático-estratégica na ação partidária – centrada na luta pela legalidade, aliança com setores progressistas sem perda dos princípios de classe, propaganda revolucionária e busca por hegemonia. Após a vitória revolucionária de janeiro de 1959, na primeira plenária do PSP (fevereiro de 1959), Roca orientou o trabalho de seu partido no sentido de “defender a Revolução e fazê-la avançar”. Mais tarde, presidiu a comissão responsável por elaborar o projeto de Constituição da República – aprovada por referendo popular em 1976. Foi membro do Comitê Central do novo PCC desde sua fundação (1965), até falecer (1987), sendo enterrado com honras de general morto em guerra. “Deixou de existirContinuar lendo “O marxismo de Blas Roca”