O marxismo de Pagu

Escritora, jornalista, tradutora, desenhista e diretora teatral, participou do movimento antropofágico modernista e foi militante do Partido Comunista do Brasil e do Partido Socialista, tendo atuado também em órgão secreto da Internacional Comunista Por Walnice Nogueira Galvão * PAGU; Galvão, Patrícia Rehder (brasileira; São João da Boa Vista-SP, 1910 – Santos-SP, 1962). 1 – Vida e práxis política Paulista do interior, Patrícia Rehder Galvão, que seria conhecida como Pagu, foi criada na capital, para onde seus pais se transferiram quando ela tinha 2 anos. Era filha de Adélia Rehder e Thiers Galvão de França, advogado e jornalista, sendo Pagu a terceira de três irmãos: Conceição, Homero e Sidéria (esta última seria pelo resto da vida uma aliada, confidente e cúmplice). Iniciou os estudos no Grupo Escolar da Liberdade, à rua Galvão Bueno. Após frequentar a Escola Normal do Brás, bairro em que residia, formou-se em 1928 pela Escola Normal Caetano de Campos, na Praça da República (Centro de São Paulo), diploma que habilitava ao ensino de crianças, na escola primária. Fenômeno recente no panorama brasileiro, a “normalista” abria a perspectiva da emancipação feminina através do trabalho. Simultaneamente, Pagu assistiu aulas no Conservatório Musical. Por este tempo, Pagu foi apresentada por Raul Bopp a Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, figuras de proa do Modernismo. Com sua formosura juvenil, charme e comportamento inconvencional, Pagu abalou o cenáculo modernista; a exuberância da cabeleira, a boca polpuda, os olhos derramados – registrados no célebre poema que lhe dedicou Raul Bopp, “Coco Pagu” – tornaram-se sua marca registrada. Recém-saída de um concurso de beleza em sua cidade natal, a moça foi tragada pelo turbilhão da sociabilidade modernista, brilhando em festas e saraus paulistanos nos quais declamava a poesia de seus novos amigos. Em 1929, Pagu e Oswald de Andrade passaram a viver juntos. Num gesto típico de escândalo modernista, celebrariam sua união numa cerimônia de casamento ao pé do jazigo da família de Oswald, no Cemitério da Consolação. Dessa união, com cinco anos de duração, nasceu um filho, Rudá Poronominare Galvão de Andrade. Pagu participaria intensamente da fase antropofágica do Modernismo e prestaria colaboração à Revista de Antropofagia com desenhos, contos e poemas. No ano seguinte, ela viajou de navio a Buenos Aires, no intuito de participar de um recital e tentar encontrar Luiz Carlos Prestes, que ali vivia em exílio, mas não o encontrou. Entretanto, durante o percurso, fez amizade com Zorrilla de San Martin e travou contatos na área literária com o grupo de escritores da revista Sur: Jorge Luis Borges, Victoria Ocampo, Eduardo Mallea. À volta, ela trouxe livros e outros materiais marxistas. Já em São Paulo, Astrojildo Pereira, intelectual fundador do PCB, procura o casal. Pagu, cativada, passou a traduzir panfletos a seu pedido, declarando com entusiasmo dedicar-se doravante à “causa dos oprimidos”. Com a crise econômica que estourara em 1929, abriu-se passo a uma reconfiguração de forças, com radicalização de intelectuais, à direita e à esquerda. Encerrava-se a década de eclosão e fastígio do Modernismo, baseada numa fusão de vanguardistas com mecenas cafeicultores. Nesse processo, em 1931 Patrícia e Oswald filiaram-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e passaram a militar pela revolução. Ainda em 1931, o casal fundou o tabloide O Homem do Povo, que duraria apenas oito números. Hostilizado pelos estudantes da vizinha Faculdade de Direito – que chegaram a invadir a redação –, acabou proibido por ordem policial. Após o fechamento do periódico, Pagu e Oswald decidiram embarcar para Montevidéu, onde finalmente se encontraram com Prestes. Juntos, passariam dias conversando, tendo formado uma forte conexão. Pagu data deste encontro sua conversão definitiva à luta política socialista, tal o poder de convicção do líder. Sentindo-se ignorante, daí em diante Pagu procurou estudar, e mergulhou na militância. Sua primeira prisão se deu nesse ano de 1931, em Santos – maior porto do Brasil, escoadouro da riqueza principal de então, o café –, quando participou de uma greve após ser designada para militar na organização do Socorro Vermelho. Logo solta, trabalhando como operária, discursou no palanque do comício de uma greve de estivadores e foi novamente presa quando acudia um manifestante baleado pela polícia. O episódio ganhou primeira página em A Tribuna, de Santos, com o nome de Patrícia Galvão em manchete sensacionalista e acusadora. É deste evento que data sua reputação de ser a primeira mulher presa política no Brasil. Contudo, a reação do PCB diante do escândalo armado pela mídia foi negativa: a origem pequeno-burguesa de Pagu seria atacada num manifesto que desautorizava sua atuação – como agitadora individual – no palanque do comício. O período que se segue é de dificuldades para Pagu e Oswald. A polícia mantém constante vigilância sobre suas ações, forçando-os a redobrar os cuidados. Então, em 1932, o PCB recomenda a transferência dela para o Rio de Janeiro. Iniciou-se então sua fase carioca. Vivendo em um cortiço, viu-se proibida pelo partido de trabalhar no Diário da Noite, por ser esta uma atividade considerada “intelectual” – enquanto o PCB considerava necessário que ela passasse por um processo de “proletarização”. Depois de procurar em agências e tentar colocações como empregada doméstica ou de fábrica, conseguiu um posto como lanterninha de cinema na Cinelândia, passando a agir na organização de um sindicato dos trabalhadores de cinema e casas de diversão. Descoberta pelos patrões, foi despedida, indo então trabalhar como operária numa metalúrgica. Em seguida, foi nomeada para a Conferência Nacional do PCB e designada para participar da segurança – o que lhe trouxe muita alegria, reforçando sua fé na luta política e no comunismo. Nessa metalúrgica, ela organizou duas células, mas, ao adoecer, perdeu o emprego, ficando em situação precária. Assim, o PCB ordenou que voltasse a São Paulo e passasse a militar no meio intelectual. Corria o ano de 1932; na esteira do movimento separatista de São Paulo, ela e Oswald receberam ordem de prisão e passam à clandestinidade. Neste contexto, o partido – que então vivia sua fase “obreirista” (de valorização de operários na direção, em detrimento de intelectuais) – abriuContinuar lendo “O marxismo de Pagu”

Dictionary Marxism in America: a historical rescue of militant memories

After decades of collective work, public access is now available to a series of publications that brings back the historical memory of the first Marxists in the Americas

Le marxisme de Luiz Carlos Prestes

Leader révolutionnaire et dirigeant du Parti communiste brésilien, il a participé à de nombreux événements historiques (tenentismo, Alliance Nationale de Libération). Il a légué une contribution importante pour comprendre la Révolution au Brésil.

Dictionnaire Marxisme en Amérique : une récupération historique de mémoires de lutte

Cette œuvre rend compte de la vie, de la pensée et de la praxis politique des premiers marxistes des nations américaines. Nous la rendons publique après des années de travaux collectifs.

O marxismo de Raya Dunayevskaya

Jornalista, tradutora, editora e filósofa, trabalhou com Trótski, foi precursora do chamado “humanismo marxista” e se dedicou a ampliar as lutas sociais para além do recorte de classe, buscando integrar pautas do movimento feminista e negro Por Solange Struwka e Giovanna Imbernon * DUNAYEVSKAYA, Raya; Raya Shpigel; Rae Spiegel; “Freddie Forest”; “Freddie James” (russo-ucraniana-estadunidense; Yaryshiv/Império Russo, 1910 – Chicago/Estados Unidos, 1987). 1 – Vida e práxis política Raya Dunayevskaya, nascida Raya Shpigel, é oriunda da região ocidental do antigo Império Russo, atualmente o estado (oblast) de Vinnytsia, na Ucrânia (fronteira com a Moldávia). De sua cidade natal, acompanhou o processo revolucionário que transformaria a Rússia imperial na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). As duras condições locais de subsistência, o difuso ambiente antissemita e os efeitos da Guerra Civil Russa (1918-1922) fizeram com que, em 1922, sua família decidisse emigrar para os Estados Unidos (EUA) em busca de melhores condições de vida. Sem acesso à educação formal e falando apenas iídiche, Raya Shpigel (cujo nome passou a ser grafado Rae Spiegel no novo país) chegou ao gueto judeu de Chicago aos 12 anos de idade – quando afirmou ter visto, pela primeira vez, uma pessoa negra. Ali, sua família conviveu com discriminações e preconceitos por conta da religião e da condição de imigrante. Tal ambiente foi importante para a formação intelectual e militante de Dunayevskaya, a ponto de ela se considerar produto de duas “revoluções”: a da Rússia de 1917 e a dos guetos de Chicago. Começou a se interessar por política e pelo marxismo já na adolescência, a partir de sua ativa participação junto aos movimentos negros. Em 1925, filiou-se ao Negro Labor Congress (NLC) [Congresso Operário Negro] dos EUA –, uma organização que lutava contra a exploração dos trabalhadores e a discriminação racial sofrida pelos afroestadunidenses – passando a trabalhar na equipe de seu jornal, o The Negro Champions [Os Campeões Negros]. Em seguida, integrou-se à Young Communist League [Juventude Comunista] do Communist Party of the United State of America [Partido Comunista dos Estados Unidos da América] (CPUSA) – do qual seria expulsa em 1928 por ter questionado os motivos pelos quais Leon Trótski fora banido do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e da Internacional Comunista (IC). Por este tempo, aproximou-se do grupo de trotskistas de Boston que, excluído do CPUSA, fundou a Communist League of America [Liga Comunista da América] – organização dirigida por Antoinette Buchholz Konikow, médica marxista que militava pelo direito das mulheres à anticoncepção e ao aborto. Na década de 1930, Raya adotou o nome de solteira de sua mãe, Dunayevskaya. Em 1937, apesar de não ter permissão da organização de trotskistas, viajou ao México, para se aproximar de Trótski, então exilado na capital do país. Entre 1937 e 1938, aprendeu russo de maneira autodidata, intensificou diálogos e se tornou secretária e colaboradora do líder revolucionário – embora ainda sem autorização das organizações político-partidárias. Tudo isso em meio ao turbilhão político em torno dos chamados Processos de Moscou (série de julgamentos de opositores de Josef Stálin, movidos pelo governo soviético) e da Comissão Dewey (que averiguava as acusações contra Trótski durante estes julgamentos). Com o falecimento de seu pai e irmão, regressou a Chicago em 1938. No ano seguinte, havendo começado a II Guerra Mundial, Dunayevskaya rompeu com Trótski – por discordar de suas declarações em favor do posicionamento soviético no confronto, especialmente no que se referia ao acordo de não-agressão assinado pela URSS e pela Alemanha nazista (conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop). Seu afastamento de Trótski e do trotskismo foi duplo: físico, pois voltou a viver nos EUA; e teórico, uma vez que, imersa na realidade estadunidense, passou a entender o modelo “socialista soviético” à luz do conceito de “capitalismo de Estado” – isto é, segundo ela, a URSS se tornara uma forma de “Estado capitalista” – enquanto para o líder opositor exilado, apesar dos problemas que apontava, continuava a ser um “Estado de trabalhadores”. Em 1941, Raya sistematizou esta discussão, publicando em um boletim do Workers Party [Partido dos Trabalhadores] (WP) – partido ao qual se integrara no ano anterior – seu primeiro texto com maior impacto: “The Union of Soviet Socialist Republics is a capitalist society” [“A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas é uma sociedade capitalista”], trabalho assinado com um pseudônimo (Freddie James), no qual se contrapôs à visão da maioria dos membros do partido, que entendiam a URSS como uma sociedade “coletivista burocrática”. No mesmo período, intensificou sua atuação junto aos movimentos negros, aproximando-se de C. L. R. James (que usava o pseudônimo J. R. Johnson) – autor do clássico The black jacobins [Os jacobinos negros]. Ambos tinham posições críticas semelhantes acerca do afastamento do Estado soviético do que imaginavam ser sua orientação original. Em 1945, fundaram juntos, dentro do WP, uma corrente marxista que viria a ser conhecida como “humanista” – também chamada de Johnson-Forest Tendency –, a qual contou com a contribuição de Grace Lee Boggs (de pseudônimo Ria Stone). Dentre os temas centrais abordados pelo grupo, estavam: o pensamento de Hegel e seu impacto na produção intelectual de Marx; e a questão étnica e o racismo. No ano de 1947, Raya Dunayevskaya participou da conferência da IV Internacional, em Paris, apresentando sua polêmica concepção sobre o que seria o “capitalismo de Estado” – ocasião em que se contrapôs aos argumentos do líder trotskista Ernest Mandel. Já no início dos anos 1950, a autora rompeu também com C. L. R. James. Neste tempo, ela atuou ativamente nas greves dos mineiros da Virgínia Ocidental (1949-1950), com cujas lideranças manteve fortes relações dentro e fora do âmbito do movimento grevista. A partir desta experiência, passou a analisar a presença e a participação de mulheres – esposas dos mineiros – nas greves. Verificando que eram retratadas pela imprensa como aquelas que tão somente acompanhavam os atos políticos, tratou de destacar nelas a função de ativistas – notando ainda que, por vezes, eram elas próprias que impulsionavam a movimentação dos homens. Ao observar que as intervenções realizadas pelas esposas não ocorriamContinuar lendo “O marxismo de Raya Dunayevskaya”

O marxismo de Blas Roca

Autodidata, foi dirigente do primeiro e do atual Partido Comunista de Cuba, destacando-se como educador e divulgador do marxismo – pensamento que concebia como um guia a ser aplicado criativamente, e que buscou unir com as ideias de José Martí Por Lucilo Batlle Reyes* [Tradução de Yuri Martins-Fontes e Felipe Deveza] [PDF] BLAS ROCA; Wilfredo Calderío, Francisco (cubano; Manzanillo/Cuba, 1908 – Havana,  1987) 1 – Vida e práxis política Francisco Wilfredo Calderío López, conhecido como Blas Roca Calderío, nasceu em uma família de trabalhadores pobres e com tradição na luta pela independência cubana, sendo o mais velho de nove irmãos. Levou o sobrenome de sua mãe devido às normas da época. Na escola fundamental, mal alcançou a quarta série; ainda criança, teve que trabalhar em uma grande variedade de atividades para ajudar a sustentar sua casa. Sofreu forte opressão da sociedade burguesa-latifundiária e dependente de sua época, pois era pobre e mestiço – o que contribuiu para forjar seu espírito de rebelião contra a injustiça e a opressão. Com a ajuda de seu professor Ernesto Ramis, ainda bem moço, Wilfredo Calderío fez um curso de magistério, habilitando-se para lecionar na educação infantil; embora gostasse da profissão – que exerceu por dois anos (1924-1926) –, foi forçado a deixá-la, por não se submeter a manobras políticas. Assim, seguindo a tradição familiar, tornou-se sapateiro, e foi a partir daí que se ligaria para sempre às lutas da classe trabalhadora, unindo-se ao movimento sindical e travando contato com a literatura marxista. Em 1929, entrou no pioneiro Partido Comunista de Cuba (PCC), passando a dirigir o Sindicato dos Sapateiros de sua cidade; no ano seguinte, assumiu o cargo de secretário-geral da Federación Obrera de Manzanillo (FOM) e, ao mesmo tempo, secretário-local do partido. Nesta época sofreu sua primeira prisão política, no Castillo del Príncipe, em Havana, durante três meses. Em 1931, foi eleito membro do Comitê Central do PCC e, em 1932, preso pela segunda vez. Ao sair da prisão, no ano seguinte, preparou a greve geral em Manzanillo – contribuindo à mobilização que pôs fim à ditadura de Gerardo Machado. Já em 1933, participou do V Plenário do Comitê Central do PCC; neste evento, usou o pseudônimo Julio Martínez, mas logo, a pedido de Rubén Martínez Villena, adotou o pseudônimo Blas Roca – o qual, em 1939, quando foram convocadas as eleições para a Assembleia Constituinte, oficializou como seu verdadeiro nome. Ao retornar a Manzanillo, fundou o soviete de Mabay, o primeiro de Cuba. Pouco tempo depois, o partido o transferiu para Havana, incorporando-o como membro da Executiva Política (Birô) do Comitê Central. No fim de 1933, foi provisoriamente nomeado secretário-geral, cargo ratificado em 1934 (no II Congresso do Partido), no qual permaneceu até 1961, quando o Partido Socialista Popular (nome que o PCC passara a adotar em 1944) decidiu se dissolver para formar, juntamente com o Movimiento 26 de Julio e o Directorio Revolucionario 13 de Marzo, uma organização única dos revolucionários cubanos: as Organizaciones Revolucionarias Integradas (sob a liderança de Fidel Castro). Em agosto de 1934, Blas Roca fez sua primeira viagem à União Soviética para participar da reunião preparatória do VII Congresso da Internacional Comunista; um ano depois, chefiou a delegação do PCC em Moscou, sendo eleito membro de seu Comitê Executivo para a América Latina. Como tal, deu valiosa colaboração aos partidos operários e comunistas latino-americanos: caso de sua visita ao Brasil, durante a qual pôde encontrar Luiz Carlos Prestes na prisão, conversar com ele e ajudar a romper o isolamento em que fora mantido; e ainda, da atenção que deu ao Partido Comunista Mexicano, quando este atravessava uma crise de sua direção. Em 1940, presidiu a delegação do Partido Unión Revolucionaria Comunista (PURC), na Assembleia Constituinte. Desde então, até o golpe de Estado de Fulgência Batista, em 1952, foi membro da Câmara dos Deputados. Blas Roca forjou sua sólida cultura de maneira autodidata; lia de tudo. Em sua infância, entrou em contato com variadas obras, desde as de história cubana, às da literatura universal – como Os Miseráveis, Dom Quixote, entre outras disponíveis na biblioteca familiar. Isto alimentou seu pensamento com ideais democráticos e de justiça social, cujo núcleo foi o pensamento de José Martí. Mais tarde, quando começou a participar das lutas proletárias, entrou em contato com a literatura marxista. Leu então O ABC do Comunismo de Bukharin, O Estado e a Revolução de Lenin e A Crítica da Economia Política de Marx, que foram seguidos pelo Manifesto do Partido Comunista e pelo Capital, dentre outras obras clássicas do marxismo (à medida que chegavam em Cuba). Foi, enfim, uma síntese do intelectual revolucionário orgânico cubano do século XX, que articulou a cubanidade, a ética, o latino-americanismo e o anti-imperialismo de Martí, com a universalidade do marxismo-leninismo. A chegada de Blas Roca à alta direção do primeiro partido dos comunistas cubanos marca uma etapa qualitativamente superior no processo de amadurecimento marxista-leninista desta agremiação – enquanto instrumento político de vanguarda da revolução cubana. A experiência organizacional do marxista – nascida de sua militância de base, de estudos teóricos permanentes e de seu trabalho para unificar o partido –, juntamente com seu esforço e dedicação, o convenceu da necessidade de repensar a estratégia e as táticas do partido: como uma ciência da liderança da luta de classes dos trabalhadores, nas condições específicas dos países coloniais e dependentes. Assim, se iniciaria uma radical mudança tático-estratégica na ação partidária – centrada na luta pela legalidade, aliança com setores progressistas sem perda dos princípios de classe, propaganda revolucionária e busca por hegemonia. Após a vitória revolucionária de janeiro de 1959, na primeira plenária do PSP (fevereiro de 1959), Roca orientou o trabalho de seu partido no sentido de “defender a Revolução e fazê-la avançar”. Mais tarde, presidiu a comissão responsável por elaborar o projeto de Constituição da República – aprovada por referendo popular em 1976. Foi membro do Comitê Central do novo PCC desde sua fundação (1965), até falecer (1987), sendo enterrado com honras de general morto em guerra. “Deixou de existirContinuar lendo “O marxismo de Blas Roca”

O marxismo de José Antonio Arze

Sociólogo, educador, deputado, foi autor de um dos primeiros ensaios de interpretação marxista da realidade boliviana, e fundador do Partido de la Izquierda Revolucionaria (comunista) Por Marcos Vinicius Pansardi * [PDF]   ARZE, José Antonio (boliviano; Cochabamba, 1904 – Cochabamba, 1955) 1 – Vida e práxis política José Antonio Arze y Arze nasceu no início do século XX, filho de José Tristán Arze, pequeno empresário e arrendatário de terras, em uma família de classe média sem fortuna. Estudou direito e ciências políticas na Universidad Mayor de San Simón (UMSS, Cochabamba), graduando-se em 1926. Foi diretor da biblioteca e professor de Direito Público nesta universidade; e, mais tarde, professor de Sociologia e de Direito Indianista na Universidad Mayor de San Andrés (UMSA, La Paz). Ainda bem moço, em 1921, fundou o Instituto Superior de Artesanos (ou Inst. Municipal Nocturno de Obreros), um estabelecimento educativo destinado a levar a cultura e as ideias socialistas ao proletariado. Ainda neste ano, ascendeu à diretoria da revista Arte y Trabajo, importante periódico fundado por Cesáreo Capriles, figura do nascente movimento radical boliviano. Esta revista, na qual Arze escrevia sob o pseudônimo de León Martel, teve um papel central ao dar publicidade a estudantes que viriam a ter relevante participação na política boliviana. Logo começou a editar sua própria revista literária, El Paladín, que teve três números. Em 1923, Arze viajou para Argentina, Uruguai e Chile, a cargo do Conselho Municipal de Cochabamba, para estudar os institutos de formação profissional para trabalhadores. Na Argentina, teve a oportunidade de vivenciar o clima da Reforma Universitária de 1918, tema pelo qual vai se interessar ao longo de toda a sua vida. Ainda neste ano, liderou um grupo de alunos da Faculdade de Direito, chegando a controlar a federação estudantil (seu grupo era conhecido como os “sovietistas”). Em 1928, durante o I Congreso Nacional de Estudiantes Universitarios, foi criada a Federación Universitaria Boliviana (FUB), que tinha por missão impulsionar a reforma universitária. Naquela ocasião, Arze e Ricardo Anaya assinaram juntos um documento considerado o primeiro ensaio de interpretação marxista da realidade boliviana. Por volta de 1928, tentou-se pela primeira vez fundar um partido comunista na Bolívia. Nessa empreitada estavam dois outros personagens fundamentais da futura história boliviana: José Aguirre Gainsborg e Walter Guevara Arze. Este partido ficou conhecido na historiografia com o nome de Partido Comunista clandestino (de sigla PCc). Porém, os delegados da Internacional Comunista (IC) rejeitaram esta organização, dissolveram o PCc e lhe impuseram o formato de Agrupación Comunista (alterando seu estatuto para o de um grupo, em vez de um partido). Em junho de 1929, Arze esteve em Buenos Aires participando da I Conferência dos Partidos Comunistas Latino-Americanos, que se realizou quase imediatamente após a fundação da Confederação Sindical Latino-Americana (CSLA) e do VI Congresso da Internacional Comunista. A chegada ao poder de Hernando Siles (1925-1930) carregou consigo a esperança do avanço de pautas reformadoras. Na composição do governo, Siles tratou de incluir jovens radicais universitários. Arze foi um dos que aceitaram o convite, sendo alocado na Comissão para a Reforma Universitária e no Ministério do Fomento (1929-1930). Esta seria a primeira de suas várias aproximações com setores governistas. À época, havia pessimismo quanto à possibilidade de os trabalhadores das cidades e do campo se organizarem autonomamente. Para o autor, a classe trabalhadora boliviana ainda estava em processo de formação e, portanto, não estaria pronta para se tornar um ator político relevante. Tal percepção da realidade nacional não se alterou com o passar dos anos, o que serviu para dotar seus projetos de organização política de um caráter policlassista. Nesta linha, algumas realizações foram alcançadas. A Revolução de 1930, na qual os dirigentes da FUB participaram até militarmente, instituiu a autonomia universitária, bandeira levantada por Arze. Ainda em 1931, o autor tentou criar uma organização política singular: a Confederación de Repúblicas Obreras del Pacífico (CROP) – algo como um partido comunista trinacional, incorporando organizações da Bolívia, Chile e Peru, o que idealizava como um núcleo propagador do internacionalismo proletário para todo o continente. Mas a proposta não chegaria a ganhar corpo. Em outubro de 1931, Arze viajou para Montevidéu para visitar o Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista, tentando viabilizar a transformação da CROP em uma seção boliviana da IC. Esta tentativa não teve sucesso, pois a IC via nesta organização a tentativa de se fundar uma nova Alianza Popular Revolucionaria Latinoamericana (APRA, partido criado pelo peruano Haya de la Torre), isto é, um projeto reformista de viés pequeno-burguês. Em dezembro de 1931 os cropistas cederam às críticas do Secretariado, dissolveram o grupo e renovaram suas atenções para a criação do PC Boliviano. Com o apoio da CSLA, chegaram a criar um Comitê Central Provisório – para compor um Partido Comunista no país. Contudo, assim como as tentativas anteriores, esta também virou letra morta. Os intentos de Arze esbarravam sempre na IC, ainda que ele tenha se esforçado muito para ser aceito pela organização; por várias vezes tentou criar um Partido Comunista em seu país, chegando mesmo a viajar para Moscou, mas em vão – foi sempre tratado como um intelectual pequeno-burguês e sua participação no movimento comunista nunca foi bem aceita. A negativa da IC em reconhecer e legitimar os esforços de Arze, a figura mais importante do movimento comunista boliviano do entreguerras, foi uma das principais causas pelas quais não se logrou criar um Partido Comunista na Bolívia antes da década de 1950. A despeito disto, ele se manteve fiel às linhas de atuação programática (e teórica) determinadas pela IC, mesmo sem jamais ter sido um quadro oficial desta organização. O fato de ter muitas vezes privilegiado os interesses da União Soviética – em detrimento de posições dos trabalhadores locais – lhe custaria o posterior ostracismo dentro do movimento trabalhista de seu país. Os biógrafos tendem a classificar Arze como um “stalinista”, mas isto deve ser relativizado. Certamente, ele demonstrou ter um fascínio pela URSS, e mesmo por Stálin, como ficou expresso no obituário deste líder soviético, escrito pelo boliviano em 1953, no qualContinuar lendo “O marxismo de José Antonio Arze”

O marxismo de Mário Pedrosa

Jornalista, crítico de arte e sobretudo um militante revolucionário internacionalista, defendeu a necessidade da revolução socialista brasileira, sob a liderança dos trabalhadores — organizados em partido próprio Por Everaldo de Oliveira Andrade * [PDF] PEDROSA, Mário (brasileiro; Timbaúba/Pernambuco, 1900 – Rio de Janeiro, 1981) 1 – Vida e práxis política Mário Xavier de Andrade Pedrosa nasceu na Zona da Mata pernambucana. Foi desde a juventude um filho desgarrado. Sua família era originária de senhores de engenho do Nordeste, que se voltaram depois para a administração pública; seu pai, Pedro da Cunha Pedrosa, foi senador e ministro do Tribunal de Contas. Mário Pedrosa foi enviado pela família, em 1913, para estudar na Europa, e lá ficou até 1916. Entre 1920 e 1923, na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, tomou contato com as ideias socialistas e o marxismo, despertando para a vida política e intelectual a serviço da classe trabalhadora, luta de que jamais se separaria; formou-se em 1923, mas sua vida tomaria outros caminhos. Ele fez parte da primeira geração de militantes comunistas do Brasil que aderiam à luta revolucionária no momento seguinte à Revolução Russa (1917). Em 1925, se aproxima do PCB através do jornal A Classe Operária. No ano seguinte, filiou-se ao partido, e em março de 1927 começou a trabalhar em João Pessoa (PB) como agente fiscal, mas logo desistiu da profissão. Em São Paulo, assumiu o trabalho de organização do Socorro Vermelho (que apoiava prisioneiros políticos comunistas). Na mesma época, passou a escrever regularmente para a revista teórica do partido, e trabalhou como jornalista no jornal Folha da Manhã. No final de 1927 foi indicado pela direção do PCB para frequentar a Escola Leninista em Moscou, curso de formação de militantes da III Internacional. Em novembro de 1927, já em Berlim, aprofundam-se as crises políticas no interior do PCUS, na URSS. Ele ficaria na Europa até 1929, e aí aderiu às propostas da Oposição de Esquerda russa (dirigida então por Trótski, Kamenev e Zinoviev), que se contrapunha ao poder de Stálin. Mário voltou ao país em 1929, disposto a construir um núcleo da Oposição de Esquerda no PCB, e encontrou uma polêmica no partido – sobre alianças políticas –, que opunha Rodolpho Coutinho à maioria da direção. Iniciou então a organização do Grupo Comunista Lênin (GCL), lançado oficialmente em 1930, com a publicação do jornal Luta de Classes. Em 1933, junto a outros militantes, fundou a Editora Unitas, que passaria a publicar textos e livros revolucionários. Com a formação, em 1931, da Oposição Internacional de Esquerda, o grupo liderado por Pedrosa muda de nome para Liga Comunista do Brasil (LCB). Atuam com o objetivo de combater, dentro da III Internacional (IC), o stalinismo, visto como uma orientação que se afastava das bandeiras democráticas e revolucionárias. Nesse período, a IC se inclinava a uma política antifascista, de colaboração de classes com setores das burguesias. Ademais, agravava-se a pressão contra adversários do stalinismo, com muitas expulsões por divergências com a direção – ocasião em que sofreram perseguições inclusive antigos bolcheviques, que tinham sido companheiros de Lênin. No Brasil, Mário Pedrosa liderou a resistência, em particular a defesa da unidade da classe trabalhadora no combate ao fascismo – que se erguia. Em São Paulo, é formada a FUA (Frente Única Antifascista), agrupando muitas organizações socialistas e anarquistas, que passa a editar o jornal O Homem Livre (no qual Pedrosa publicou vários textos). Em 1934, a FUA decidiu impedir o desfile dos fascistas integralistas em São Paulo; ocorreu um confronto armado na Praça da Sé, e Pedrosa foi um dos atingidos por tiros. Nos anos seguintes, há novos choques políticos. Os comunistas brasileiros alinhados com Moscou, orientados pela IC a buscarem uma aliança com a burguesia, criam a ANL (Aliança Nacional Libertadora) – em uma tentativa de frente democrática ampla. Contudo, a aventura militar comunista de 1935 serviria como pretexto para a repressão ao conjunto das organizações dos trabalhadores, facilitando o caminho para a ditadura de Vargas. Pedrosa criticava a ANL, por ter nascido de um acordo entre dirigentes do Partido Comunista e alguns militares e políticos pequeno-burgueses. Sua ação ganhou praticamente toda a seção paulista do PCB, liderada por Hermínio Sachetta, num momento de crescentes perseguições (ditadura do Estado Novo). Pedrosa exilou-se na França, em 1937, fugindo da polícia varguista, e logo se integrou às tarefas políticas do movimento pela IV Internacional, um desdobramento da Oposição Internacional de Esquerda. Em 1938, em conferência realizada em Paris, foi delegado, representando as seções latino-americanas; ao final foi eleito representante da América Latina e membro do I Comitê Executivo da IV Internacional. No ano seguinte, mudou-se para Nova Iorque com toda a direção da IV Internacional, recém-eleita, e dois anos depois se afastou da organização, por discordar da proposta de defesa incondicional da URSS. Com o fim da guerra em 1945 e sua volta ao Brasil, Pedrosa dirige a publicação do jornal Vanguarda Socialista no Rio de Janeiro, agrupando antigos simpatizantes. O grupo em torno do jornal aproximou-se de outros grupos socialistas contrários ao stalinismo, e daria origem à chamada “Esquerda Democrática”, que teve seu manifesto de fundação aprovado em agosto de 1945; já em agosto de 1947, adota o nome de Partido Socialista Brasileiro (PSB), que duraria até 1965. Em 1956 o coletivo liderado por Pedrosa e Raquel de Queiroz se afasta e forma a Ação Democrática. Ao mesmo tempo que exercia ativamente sua militância política, Mário Pedrosa  desenvolveu a atividade profissional de crítico de arte – sempre baseando sua análise no marxismo –, por meio de que buscou libertar a arte brasileira do seu isolamento nacional, provinciano. Defendeu para arte brasileira a necessidade da renovação da experiência, do espírito ventilado e internacionalista, valorizando ao mesmo tempo a identidade local. Tratava-se de um posicionamento político e libertário em relação à produção e criação artística, que se chocava de um lado com o nacionalismo conservador, mas também com o realismo socialista e panfletário dos artistas ligados ao PCB ou em sua esfera de influência. Esteve presente nos grandes eventosContinuar lendo “O marxismo de Mário Pedrosa”