Sociólogo, educador, deputado, foi autor de um dos primeiros ensaios de interpretação marxista da realidade boliviana, e fundador do Partido de la Izquierda Revolucionaria (comunista) Por Marcos Vinicius Pansardi * [PDF] ARZE, José Antonio (boliviano; Cochabamba, 1904 – Cochabamba, 1955) 1 – Vida e práxis política José Antonio Arze y Arze nasceu no início do século XX, filho de José Tristán Arze, pequeno empresário e arrendatário de terras, em uma família de classe média sem fortuna. Estudou direito e ciências políticas na Universidad Mayor de San Simón (UMSS, Cochabamba), graduando-se em 1926. Foi diretor da biblioteca e professor de Direito Público nesta universidade; e, mais tarde, professor de Sociologia e de Direito Indianista na Universidad Mayor de San Andrés (UMSA, La Paz). Ainda bem moço, em 1921, fundou o Instituto Superior de Artesanos (ou Inst. Municipal Nocturno de Obreros), um estabelecimento educativo destinado a levar a cultura e as ideias socialistas ao proletariado. Ainda neste ano, ascendeu à diretoria da revista Arte y Trabajo, importante periódico fundado por Cesáreo Capriles, figura do nascente movimento radical boliviano. Esta revista, na qual Arze escrevia sob o pseudônimo de León Martel, teve um papel central ao dar publicidade a estudantes que viriam a ter relevante participação na política boliviana. Logo começou a editar sua própria revista literária, El Paladín, que teve três números. Em 1923, Arze viajou para Argentina, Uruguai e Chile, a cargo do Conselho Municipal de Cochabamba, para estudar os institutos de formação profissional para trabalhadores. Na Argentina, teve a oportunidade de vivenciar o clima da Reforma Universitária de 1918, tema pelo qual vai se interessar ao longo de toda a sua vida. Ainda neste ano, liderou um grupo de alunos da Faculdade de Direito, chegando a controlar a federação estudantil (seu grupo era conhecido como os “sovietistas”). Em 1928, durante o I Congreso Nacional de Estudiantes Universitarios, foi criada a Federación Universitaria Boliviana (FUB), que tinha por missão impulsionar a reforma universitária. Naquela ocasião, Arze e Ricardo Anaya assinaram juntos um documento considerado o primeiro ensaio de interpretação marxista da realidade boliviana. Por volta de 1928, tentou-se pela primeira vez fundar um partido comunista na Bolívia. Nessa empreitada estavam dois outros personagens fundamentais da futura história boliviana: José Aguirre Gainsborg e Walter Guevara Arze. Este partido ficou conhecido na historiografia com o nome de Partido Comunista clandestino (de sigla PCc). Porém, os delegados da Internacional Comunista (IC) rejeitaram esta organização, dissolveram o PCc e lhe impuseram o formato de Agrupación Comunista (alterando seu estatuto para o de um grupo, em vez de um partido). Em junho de 1929, Arze esteve em Buenos Aires participando da I Conferência dos Partidos Comunistas Latino-Americanos, que se realizou quase imediatamente após a fundação da Confederação Sindical Latino-Americana (CSLA) e do VI Congresso da Internacional Comunista. A chegada ao poder de Hernando Siles (1925-1930) carregou consigo a esperança do avanço de pautas reformadoras. Na composição do governo, Siles tratou de incluir jovens radicais universitários. Arze foi um dos que aceitaram o convite, sendo alocado na Comissão para a Reforma Universitária e no Ministério do Fomento (1929-1930). Esta seria a primeira de suas várias aproximações com setores governistas. À época, havia pessimismo quanto à possibilidade de os trabalhadores das cidades e do campo se organizarem autonomamente. Para o autor, a classe trabalhadora boliviana ainda estava em processo de formação e, portanto, não estaria pronta para se tornar um ator político relevante. Tal percepção da realidade nacional não se alterou com o passar dos anos, o que serviu para dotar seus projetos de organização política de um caráter policlassista. Nesta linha, algumas realizações foram alcançadas. A Revolução de 1930, na qual os dirigentes da FUB participaram até militarmente, instituiu a autonomia universitária, bandeira levantada por Arze. Ainda em 1931, o autor tentou criar uma organização política singular: a Confederación de Repúblicas Obreras del Pacífico (CROP) – algo como um partido comunista trinacional, incorporando organizações da Bolívia, Chile e Peru, o que idealizava como um núcleo propagador do internacionalismo proletário para todo o continente. Mas a proposta não chegaria a ganhar corpo. Em outubro de 1931, Arze viajou para Montevidéu para visitar o Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista, tentando viabilizar a transformação da CROP em uma seção boliviana da IC. Esta tentativa não teve sucesso, pois a IC via nesta organização a tentativa de se fundar uma nova Alianza Popular Revolucionaria Latinoamericana (APRA, partido criado pelo peruano Haya de la Torre), isto é, um projeto reformista de viés pequeno-burguês. Em dezembro de 1931 os cropistas cederam às críticas do Secretariado, dissolveram o grupo e renovaram suas atenções para a criação do PC Boliviano. Com o apoio da CSLA, chegaram a criar um Comitê Central Provisório – para compor um Partido Comunista no país. Contudo, assim como as tentativas anteriores, esta também virou letra morta. Os intentos de Arze esbarravam sempre na IC, ainda que ele tenha se esforçado muito para ser aceito pela organização; por várias vezes tentou criar um Partido Comunista em seu país, chegando mesmo a viajar para Moscou, mas em vão – foi sempre tratado como um intelectual pequeno-burguês e sua participação no movimento comunista nunca foi bem aceita. A negativa da IC em reconhecer e legitimar os esforços de Arze, a figura mais importante do movimento comunista boliviano do entreguerras, foi uma das principais causas pelas quais não se logrou criar um Partido Comunista na Bolívia antes da década de 1950. A despeito disto, ele se manteve fiel às linhas de atuação programática (e teórica) determinadas pela IC, mesmo sem jamais ter sido um quadro oficial desta organização. O fato de ter muitas vezes privilegiado os interesses da União Soviética – em detrimento de posições dos trabalhadores locais – lhe custaria o posterior ostracismo dentro do movimento trabalhista de seu país. Os biógrafos tendem a classificar Arze como um “stalinista”, mas isto deve ser relativizado. Certamente, ele demonstrou ter um fascínio pela URSS, e mesmo por Stálin, como ficou expresso no obituário deste líder soviético, escrito pelo boliviano em 1953, no qualContinuar lendo “O marxismo de José Antonio Arze”