O marxismo de Tina Modotti

Fotógrafa, jornalista, tradutora e atriz, buscou convergir estética e ética revolucionária; foi militante comunista e feminista, atuando pelo Socorro Vermelho (da Internacional Comunista), no México e em outros países Por Ândrea Francine Batista e Yuri Martins-Fontes * TINA MODOTTI; Modotti Mondini, Assunta Adelaide Luigia (ítalo-estadunidense-mexicana, Údine/Itália, 1896 – Cidade do México, 1942) 1 – Vida e práxis política Assunta Adelaide Luigia Modotti Mondini, ou Tina Modotti como ficou conhecida, nasceu numa família de operários italianos. Sua condição de vida exigiu que desde cedo trabalhasse com a mãe, Assunta Mondini Modotti, como costureira em uma fábrica. Seu pai, Giuseppe Saltarini Modotti chegou a trabalhar como fabricante de bicicletas de bambu numa pequena cidade da Áustria, mas em 1906 migrou para os Estados Unidos, em busca de trabalho, enquanto a família permaneceu na Itália. Ainda criança, Tina teve proximidade com as lutas sociais: seu padrinho de batismo, Demétrio Canal, foi integrante do círculo socialista de Udine; e seu pai, conforme ela afirma, foi um “socialista” e “firme defensor das causas sindicais”, levando-a certa vez em uma mobilização do dia 1º de maio. Conheceu a fotografia com seu tio Pietro Modotti, que possuía um pequeno estúdio, frequentemente visitado por ela. Com 16 anos de idade, em 1913, viajou ao encontro do pai, que vivia em São Francisco (EUA); desembarcou no país, justamente em um período no qual crescia a hostilidade à migração italiana – declarando-se estudante e sem vínculos com o movimento anarquista. Giuseppe assumiu o nome de Joseph, e trabalhou em sociedade num estúdio fotográfico, enquanto Tina e sua irmã Mercedez faziam serviços de costura. Encantada pela arte, Tina passou a frequentar teatros e exposições. Foi assim que, em 1915, estabeleceu relação com o pintor e poeta Roubaix de L’Abrie Richey – conhecido como Robo –, com quem se casaria. Mudaram-se para Los Angeles, onde atuou como atriz em peças teatrais, óperas e cinema; sua estreia na indústria cinematográfica se deu no filme The tiger’s coat. Com o passar dos anos e a movimentada vida artística, sua relação com Robo entrou em crise. Foi quando conheceu o fotógrafo Edward Weston, com quem aprenderia a arte fotográfica, iniciando assim sua carreira nesta área. Tina e Weston construiriam uma estreita e duradoura relação, tanto amorosa como de trabalho. Em 1921, Robo, a convite do Ministério de Educação do México, mudou-se para este país, levando trabalhos de Tina para montar uma exposição. Em fevereiro de 1922, ela se encontraria com Robo, mas recebeu a notícia de sua morte por varíola; empenhou-se, então, em concluir a mostra iniciada por ele – na Academia Nacional de Belas Artes, na Cidade do México. Em março do mesmo ano, seu pai faleceu, forçando-a a regressar aos EUA. Pouco depois, em 1923, Tina e Weston decidiram deixar os Estados Unidos, rumo ao México, animados com as possibilidades de encontrar aí um ambiente mais favorável para desenvolver sua criatividade artística e, inclusive, sua relação afetiva. Estabelecidos na capital do país, passaram a frequentar círculos de artistas socialistas, tendo logo conhecido o pintor muralista Diego Rivera (1886-1957). Em 1924, Tina posou para Weston, em um ensaio fotográfico de nudez – cujas imagens, mais tarde, seriam usadas por Rivera em alegorias de suas monumentais pinturas (no edifício central da Secretaría de Educación Pública, Cidade do México). Por esse tempo, Tina começou a trabalhar em projetos fotográficos, junto ao mexicano Manuel Álvarez Bravo (1902-2002), além de contribuir com as campanhas de solidariedade construídas pela Internacional Comunista (IC) – em que atuou especialmente contra a condenação de Nicola Sacco e Bartolomé Vanzetti (anarquistas italianos executados na cadeira elétrica, nos EUA), e no Comitê em Defesa da Nicarágua (contra a invasão estadunidense). Em 1927, Weston decidiu retornar definitivamente aos EUA; Tina permaneceu no México. Nesse mesmo ano, filiou-se definitivamente ao Partido Comunista Mexicano (PCM), colaborando com fotos e traduções para seu jornal El Machete. Considerou a atividade política com grande seriedade e consciência de suas responsabilidades. Engajada na luta revolucionária, sua fotografia tomou uma perspectiva de classe, ao documentar a vida cotidiana de trabalhadores, as lutas camponesas e mobilizações sociais. Tornou-se a principal fotógrafa do Movimento Muralista Mexicano, documentando obras de seus principais representantes – e também militantes socialistas: Diego Rivera (quem, por sua vez, a retrataria em seus murais), José Clemente Orozco (1883-1949) e Xavier Guerrero (1896-1974). Em sua casa, faziam reuniões informais para discutir o papel da arte e da literatura no processo revolucionário. Foi neste contexto que, em 1928, conheceu seu futuro companheiro Júlio Mella (1903-1929), liderança do Partido Comunista de Cuba, que se encontrava exilado no México; a relação duraria até o assassinato do marxista, no ano seguinte, por agentes do ditador cubano Gerardo Machado. Em meio às tensões políticas que caracterizaram o período, Mella foi morto em uma noite de janeiro de 1929, enquanto caminhava para se encontrar com Tina, após reunião na Seção Mexicana do Socorro Vermelho Internacional (SVI) – organização de apoio a perseguidos e prisioneiros políticos, vinculada à IC. Em meio à atmosfera anticomunista de então, além das próprias divergências entre comunistas, o assassinato envolveu muitas especulações; jornais locais chegaram a acusar Tina pela morte, mas ela foi logo inocentada, após investigação policial. Mesmo diante de um esgotamento emocional e político, ela prosseguiria firmemente sua militância no partido. No ano de 1929, Tina Modotti se envolveu intensamente com a fotografia. Na Biblioteca Nacional, fez a “Primeira exibição revolucionária do México”. Paralelamente, as perseguições anticomunistas aumentaram, impondo a clandestinidade ao PCM; as sedes do partido e do jornal El Machete foram fechadas, e vários dirigentes expulsos do país. Tina foi regularmente vigiada pela polícia até que, em fevereiro de 1930, foi deportada. O governo de Mussolini tentou sua extradição para a Itália, como subversiva, porém, por meio da ação do SVI, ela desembarcou na Alemanha – justo no momento em que se dava a ascensão do Partido Nazista e havia uma participação massiva da população em comícios de Adolf Hitler. Na Europa, dedicou-se a ações em defesa de presos políticos e realizou trabalhos clandestinos para a IC, noContinuar lendo “O marxismo de Tina Modotti”