Médico, escritor, político, intelectual e dirigente comunista, foi fundador do Partido Comunista del Ecuador, desempenhando um papel central no desenvolvimento do marxismo equatoriano Por Vitor Vieira Ferreira e Yuri Martins-Fontes * PAREDES Romero, Ricardo (equatoriano; Riobamba/Equador, 1898 – Quito, 1979) 1 – Vida e práxis política Ricardo Paredes Romero nasceu na capital do estado andino de Chimborazo, situado no centro do território equatoriano. Seu pai foi Alejandro Paredes Pérez, um funcionário do Ministério da Economia que faleceu quando ele tinha apenas 4 anos. Sua mãe, María Romero Gallegos, comerciante, teve a incumbência de criar sozinha os quatro filhos. Desde cedo, Ricardo Paredes demonstrava sua inconformidade ativa perante as injustiças que vivenciava e observava. Ainda adolescente, organizou-se junto a um grupo de colegas para protestar contra os castigos a que os estudantes eram submetidos no colégio jesuíta San Felipe Nery, onde estudou entre 1908 e 1913. Em virtude desta reivindicação, em que se chegou a ocupar a reitoria da escola (demandando a demissão de professores que cometiam excessos), ele foi expulso, além de preso por um dia para interrogatório – tendo de cursar seu último ano em outro estabelecimento de ensino. Em 1914, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidad Central de Quito. A formação acadêmica e profissional contribuiu em diferentes aspectos para sua conscientização social, sobretudo no que diz respeito a sua inclinação por conhecer mais a fundo as questões políticas de seu país. Ao longo do curso, Paredes demonstrou especial interesse em estudar os danos causados pela sífilis em mulheres grávidas e em seus filhos, tópico que seria central em suas pesquisas. Durante a graduação, tais casos foram acompanhados de perto por ele, em suas visitas aos hospitais de Quito; com isto, pôde logo perceber que se tratava da expressão de um grave problema epidemiológico que acometia a cidade à época. Seus estudos médicos não se limitaram a um trabalho de análise técnica, mas buscaram causas socioeconômicas. Para além de investigar como a bactéria responsável pela doença atuava no organismo e quais eram seus sintomas ou possibilidades de tratamento, ele pesquisou a sífilis enquanto problema social – como uma questão historicamente situada que impactava a vida cotidiana de um grande número de indivíduos, especialmente aqueles dos estratos sociais mais pobres. De modo mais amplo, deu-se conta do vínculo entre a epidemia e as contradições socioeconômicas da população equatoriana, passando a estudar as possibilidades de atuação do Estado no combate à enfermidade. Então, sua preocupação passaria a ser com o tipo de infraestrutura de saúde pública à qual a população tinha acesso, com as formas de se garantir a oferta de tratamentos e medidas profiláticas adequadas. Graduou-se como médico aos 23 anos, em 1921, e a partir daí passou a exercer sua profissão – mais especificamente como ginecologista, empenhando-se no combate às doenças venéreas. Em paralelo à medicina, Paredes começara a se dedicar às leituras políticas, o que viria a lhe abrir as portas para a militância. Ao longo dos primeiros anos da década de 1920, concentrou-se em aprofundar seu conhecimento humanístico e filosófico – tendo contato com obras de Voltaire, Rousseau, Marx, Engels e Lênin, além de publicações socialistas produzidas na União Soviética. A realidade desigual de seu país se colocava como um elemento catalisador de seu espírito crítico e transformador, sobretudo com os acontecimentos de novembro de 1922, quando centenas de trabalhadores em greve foram assassinados pelo Exército equatoriano, em Guaiaquil. De 1922 a 1923, ministrou aulas de Biologia na mesma universidade em que se formara, além de instalar um consultório médico no Centro da capital. Em novembro de 1924, junto a alguns companheiros, lançou a revista La Antorcha, que funcionaria como um veículo de contestação da política do então presidente, o liberal José Luis Tamayo. No ano seguinte, este periódico passou a se chamar La Antorcha Socialista, tendo contribuído com a construção do Partido Socialista Ecuatoriano (PSE) – que seria fundado em 1926. Ainda em 1925, Paredes promoveu a formação de um grupo de socialistas em Guayas, estado cuja capital é Guaiaquil. Atuou então junto aos mentores da chamada Revolución Juliana – um movimento opositor à plutocracia vigente, levado a cabo por civis e militares que, mesmo sem chegar ao conflito armado, depuseram com um golpe de Estado o presidente Gonzalo Córdova (julho de 1925), substituindo-o por uma junta de governo. Esta revolução foi uma etapa importante para o movimento socialista nacional – havendo impulsionado medidas contra grandes capitalistas e latifundiários. Nesse mesmo ano, o comunista mexicano Rafael Ramos Pedrueza (1897-1943) visitou o Equador, com a função de organizar, junto a operários e intelectuais, um agrupamento comunista; foi então criada a Sección Comunista de Propaganda y Acción ‘Lenin en Quito’. Paredes estabeleceu contato com Pedrueza e, embora tenha se mantido independente desse grupo, viria a afirmar depois que já se “considerava um comunista”. Consciente da necessidade de envolver camponeses no movimento revolucionário, Paredes passou a se empenhar na construção de um movimento comunista em Cayambe, ao norte de Quito. Conheceu assim o líder comunitário Jesús Gualavisí, quem, no início de 1926 – ao lado da líder indígena socialista Dolores Cacuango – liderou um levantamento popular pelo direito das populações indígenas locais à posse das terras em que viviam. O protesto, ainda que reprimido, foi uma importante semente para a luta autóctone e camponesa. Paredes convidou então Gualavisí para participar da Asamblea Socialista, que ocorreria em Quito, com vistas à fundação de um partido socialista. Assim, em maio deste mesmo ano, com a participação de grupos socialistas de várias partes do país, seria constituído o Partido Socialista Ecuatoriano – tendo Ricardo Paredes como um de seus representantes provinciais no Conselho Central. Por seu papel de protagonismo, Paredes foi convidado a participar do VI Congresso da Internacional Comunista (IC), realizado em Moscou, em 1928, na qualidade de representante do PSE. Tal visita de dez meses à URSS significou para o comunista equatoriano uma tomada de consciência que lhe marcaria por toda a vida – o que se pode ler em seus artigos publicados à época nos periódicos LlamaradasContinuar lendo “O marxismo de Ricardo Paredes Romero”