O marxismo de Diego Rivera

Artista plástico, ensaísta e ativo militante político, foi um dos maiores pintores muralistas mexicanos, tendo sido membro do Partido Comunista del México e, por breve período, da IV Internacional Por Felipe Santos Deveza e Marina Mainhard * RIVERA, Diego (mexicano; Guanajuato, 1886 – Cidade do México, 1957) 1 – Vida e práxis política Nascido em Guanajuato, sendo filho de Maria e de Diego Barrientos Rivera, Diego Maria de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez nasceu na região central da cidade. Porém, devido a recomendações médicas e suspeitas de desnutrição, logo foi viver no interior montanhoso próximo, ficando aos cuidados de Antonia, sua babá ou “nana indígena”, conforme narra em suas memórias1. Interessou-se pelo desenho desde muito pequeno. Recuperado pelo clima das montanhas e pelo zelo de Antonia, retornou aos cuidados de sua mãe e seu pai. Professores de formação, seu pai era funcionário municipal e sua mãe se dedicava as atividades domésticas de uma casa abastada. A família Rivera era tipicamente mestiça e com diversas origens, tendo antepassados indígenas e europeus. Aos 6 anos foi morar na Cidade do México, onde seus pais e familiares teriam papéis importantes na sua educação. Aprendeu a ler e escrever com uma tia-avó, até que foi matriculado em uma escola católica. Esta experiência lhe provocou uma repulsa, desde a infância, pela religião. Aos 10 anos começou a ter aulas noturnas de arte na Academia de San Carlos e um pouco depois já frequentava a escola de arte em tempo integral. Teve uma formação mais artística que escolar convencional. Foi durante esse período que conheceu o famoso gravador José Guadalupe Posada – quem, com obras publicadas em jornais e livros, popularizou a imagem das caveiras mexicanas (as catrinas2). Ao completar 20 anos, conseguiu uma bolsa de estudos para viajar à Espanha e conhecer o ambiente acadêmico da pintura europeia. Viveu 14 anos na Europa, dez deles com Angelina Beloff, uma pintora de origem russa com quem se casou e morou em Paris. Teve um filho com ela, que morreu de meningite ainda bebê. Durante seu período europeu (1907-1921) conheceu Picasso, as obras de Cézanne e os artistas do bairro de Montparnasse, podendo experimentar as tendências artísticas que estavam florescendo, como o cubismo e o pós-impressionismo, que lhe renderam um relativo reconhecimento em Paris. Para ganhar a vida, especializou-se em copiar obras conhecidas e o estilo dos autores, vendendo seus quadros no mercado da falsificação. Esse período lhe rendeu um grande aprendizado, o qual mais tarde empregaria em suas mais célebres obras. Diferentemente de outros muralistas, Diego não se envolveu nas batalhas da Revolução Mexicana (1910-1920). Em 1921 ele foi convidado por José Vasconcelos (1882-1959), secretário de Educação do governo pós-revolucionário de Álvaro Obregón (1920-1924) para decorar as paredes de prédios públicos com obras que ajudassem a contar a história do país. Embora desejasse refundar a cultura nacional, Vasconcelos buscava na Europa referências para o renascimento cultural mexicano, e Diego foi escolhido por seu reconhecimento artístico nos salões parisienses. Após os anos na Europa, em 1921 ele desembarcou no porto de Veracruz. Por essa época se separou de Belloff, e em 1922 se casou com Guadalupe Marin (1895-1983), com quem teria duas filhas – Ruth e Guadalupe Rivera Marin. Como muitos outros modernistas latino-americanos, seria a partir do retorno da experiência europeia que Diego redescobriria o México, perceberia a exuberância de suas cores, a plástica da vida cotidiana e as imagens da Revolução, com suas tropas populares, de grandes sombreiros e pesadas cartucheiras, inspirando novos tipos, formas e temas. Trabalhando na Secretaria de Educação, procurou retratar festas populares, cenas do cotidiano de trabalhadores, e foi evoluindo para composições relacionadas à luta de classes e pela terra. O retorno de Diego Rivera ao México ocorreu nos anos de fundação e início da construção do Partido Comunista de México – no embalo da Revolução Bolchevique (1917) –, e ele foi imediatamente atraído para o centro do partido, criando uma unidade entre a atividade artística dos muralistas e a atividade política comunista. Em 1928, Diego se separou de Guadalupe, e logo começou sua relação com Frida Kahlo, que conhecera enquanto pintava a gigantesca obra mural que decora o edifício da Secretaría de la Educación Pública, no centro da Cidade do México. Com Frida – que buscava referências entre os pintores mais politizados da época e passou a acompanhar o seu trabalho – Diego viveu um intenso relacionamento, até a morte dela em 1954. Ele, por sua vez, se tornou um grande admirador dos quadros da companheira. No ano seguinte (1929), eles se casaram, e conforme demonstram suas cartas, diários e registros, Frida e Diego foram muito parceiros, embora ela nunca tenha deixado de expor suas opiniões, mágoas e críticas ao marido. Entre 1923 e 1928, quando concluiu o famoso mural “Arsenal” – em que aparecem Frida Kahlo e Tina Modotti distribuindo armas aos revolucionários –, Diego Rivera daria uma nova orientação às obras murais, superando a ideia de caráter didático da simples ilustração da história mexicana, para as inúmeras tentativas alegóricas de representar nos murais a luta de classes. No final da década de 1920, os governos do Maximato (série de governos controlados pelo ex-presidente Calles) perseguiram o PCM e o mantiveram na ilegalidade. Diego Rivera, que nessa época já era uma importante figura pública, conservaria seus contratos com o governo, sendo assim acusado por comunistas de colaborar com a “nova burguesia mexicana”. Isolado, Diego aceitou realizar alguns murais nos Estados Unidos, onde a sua obra ganhou notoriedade internacional. Após pintar murais na Califórnia e em Nova Iorque com temas variados, em 1932 ele começou a pintar um mural no Rockfeller Center, prédio central de icônico magnata capitalista estadunidense. Desde o início este mural foi polêmico, já que juntava o mais famoso artista comunista da época a uma das mais icônicas sedes dos capitalistas. Em meio à maior crise econômica dos Estados Unidos e ao clima de conciliação das políticas do New Deal, do governo Roosevelt (1933-1945), este fato seria interpretadoContinuar lendo “O marxismo de Diego Rivera”

O marxismo de Pío Tamayo

Poeta, escritor, editor e educador, foi um pioneiro do marxismo venezuelano, tendo participado da organização do primeiro Partido Comunista de Cuba e fundado o coletivo Carpa Roja, precursor dos núcleos comunistas que deram origem ao Partido Comunista de Venezuela Por Yuri Martins-Fontes, José Fernando Siqueira da Silva e Freddy Giovanni Esquivel Corella Pío Tamayo Rodríguez, José (venezuelano; El Tocuyo/Venezuela, 1898 – Barquisimeto/Venezuela, 1935). 1 – Vida e práxis política José Pío Tamayo Rodríguez nasceu em 5 de abril de 1898 em El Tocuyo, no Sudoeste do Estado de Lara – região agrícola e pecuária. Filho de José Antonio Tamayo Pérez e de Sofía Rodríguez, mais velho de onze irmãos, foi alfabetizado por sua tia, a professora Juana Francisca Rodríguez. Influenciado por sua mãe, teve desde cedo contato com a literatura, o que lhe despertou a possibilidade de uma vida menos restrita do que aquela que lhe reservava os negócios familiares no comércio e produção rural. Em sua cidade natal, seguiu os estudos no Liceo Bolívar e no colégio La Concordia. Com 12 anos de idade, quando costumava escapar das aulas para ler em biblioteca da vizinhança, publicou seu primeiro texto. Na adolescência, com o pseudônimo de “Júpiter” (inspirado nas iniciais de seu nome – J. P. T. R.), editou os periódicos El Juvenil, Saltos y Brincos e Ayacucho, que circularam no estado de Lara. Em 1912 se transferiu ao colégio La Salle, de Barquisimeto. À época, já realizava atividades de tipografia com seus irmãos Juan e Joaquín Falcón. Em 1913, ao lado dos companheiros Roberto Montesino e Hedilio Lozada, fundou a gráfica Gil-Blas, em Barquisimeto. Colaborou também com o jornal tocuyano El Cosmopolita, em que escrevia sobre poesia e crítica política, além de ter sido redator de El Ideal, impresso pela tipografia La Torcaz. Em meados dos anos 1910, por motivo do falecimento de seu pai, teve de regressar a El Tocuyo para cuidar dos negócios da fazenda da família – período em que tentou fomentar uma cooperativa camponesa no local. Primogênito de uma família proprietária de terras e orientado desde logo a esta atividade pelo pai, foi na literatura que Pío encontrou um espaço para ampliar seus horizontes para além das atividades econômicas realizadas no campo e no comércio. Então, passou a desenvolver uma ativa participação nas atividades sociais e centros literários tanto de sua cidade como de Barquisimeto – colaborando com publicações como Don Quijote (1914), Minerva (1914-1915) e Ensueños (1915). Por estes tempos a I Guerra Mundial foi deflagrada. Ansioso por notícias do conflito, Pío Tamayo se juntou com seus companheiros de militância político-literária – entre outros, Alcides e Hedilio Losada, Ernesto Nordhoff, Rafael Elías Rodríguez, Agustín Gil Gil, Roberto Montesinos e Jesús García – para formar o círculo literário El Tonel de Diógenes. Neste espaço de leitura e diálogo, os jovens articulariam discussões literárias, debates políticos e estudos filosóficos, além de criarem a revista de literatura Renacimiento, que teve breve duração. As reuniões desse grupo marcaram o começo de uma fase em que Pío passou a ser malvisto pelo governo de Juan Vicente Gómez – ditador que dirigiu o país entre 1908 e 1935. Apesar disso, sendo membro de renomada família produtora de açúcar, de início Pío não sofreu maiores retaliações. Em 1917, escreveu os poemas “El poema del cosmos”, em que abordou as condições preocupantes do mundo; e “Las canciones del sexo”, no qual, por meio de imagens sensuais, “cantou” a vida, reconhecendo o “ruído bestial” da história. No período, contribuiu com vários periódicos – com destaque para El Cosmopolita, El Diário e El Tocuyo –, tratando de temas como o fim da I Guerra (1918) e o impacto da epidemia de gripe espanhola (assumindo inclusive tarefas na Cruz Vermelha). No início de 1922, finalizou e começou a divulgar entre conhecidos sua primeira novela, El dolor de los granujas [A dor dos pilantras], na qual expunha a condição miserável dos camponeses. A obra – que só seria publicada por uma editora em 1998 – ganhou boa repercussão, motivo pelo qual as ações de Pío Tamayo passaram a ser identificadas como “subversivas” e “comunistas”. Ante a situação de risco, em julho de 1922 partiu para Porto Rico, sob o argumento de que iria estudar “técnicas de cultivo” e se especializar no negócio do açúcar. Não obstante, fora do território venezuelano, ele se dedicaria especialmente ao que de fato desejava: o trabalho literário e o contato com os exilados políticos venezuelanos. Vivendo em Porto Rico – hospedado na propriedade do venezuelano Rafael W. Camejo, negociante do ramo açucareiro –, dirigiu a revista Gráficas e Bohemia. Aí, lidou simultaneamente com duas atividades díspares: sua formação profissional técnico-agrícola, e sua contribuição político-jornalística e literária. O conflito entre ambos os trabalhos foi manifestado por Pío em diversas cartas do período. Após nove meses em Porto Rico, em maio de 1923, prosseguiu viagem, dirigindo-se aos Estados Unidos. Passou cinco meses em Nova Iorque, tendo trabalhado em uma gráfica e como redator no jornal Prensa Latina, além de ter conhecido exilados políticos venezuelanos. Em outubro de 1923, Pío Tamayo seguiu para Cuba. Este foi um momento denso de sua viagem, em que ele se familiarizou com as teses marxistas e se envolveu com o movimento comunista internacional. Estabelecendo-se em Havana, onde viveu por sete meses, travou relação com os revolucionários que no ano seguinte criariam a Liga Anti-Imperialista das Américas (LADLA), vinculada à Internacional Comunista (IC). Envolveu-se também com os debates e organização do coletivo que, em 1925, fundaria o primeiro Partido Comunista de Cuba (PCC) – tornando-se camarada de marxistas como Julio Antonio Mella. E contribuiu com a formação política de seus compatriotas, opositores da ditadura gomecista, além de se articular com outros exilados latino-americanos e colaborar com as revistas Venezuela Libre (dirigida pelo advogado e jornalista Francisco Laguado Jaime)e Universitaria (da qual participava Alejo Carpentier). Em maio de 1924, deslocou-se de Cuba à cidade caribenha de Barranquilla, na Colômbia, onde morou por dois meses. Seu objetivo foi o de se encontrar com o general venezuelano Emilio Arévalo Cedeño –Continuar lendo “O marxismo de Pío Tamayo”

O marxismo de Pagu

Escritora, jornalista, tradutora, desenhista e diretora teatral, participou do movimento antropofágico modernista e foi militante do Partido Comunista do Brasil e do Partido Socialista, tendo atuado também em órgão secreto da Internacional Comunista Por Walnice Nogueira Galvão * PAGU; Galvão, Patrícia Rehder (brasileira; São João da Boa Vista-SP, 1910 – Santos-SP, 1962). 1 – Vida e práxis política Paulista do interior, Patrícia Rehder Galvão, que seria conhecida como Pagu, foi criada na capital, para onde seus pais se transferiram quando ela tinha 2 anos. Era filha de Adélia Rehder e Thiers Galvão de França, advogado e jornalista, sendo Pagu a terceira de três irmãos: Conceição, Homero e Sidéria (esta última seria pelo resto da vida uma aliada, confidente e cúmplice). Iniciou os estudos no Grupo Escolar da Liberdade, à rua Galvão Bueno. Após frequentar a Escola Normal do Brás, bairro em que residia, formou-se em 1928 pela Escola Normal Caetano de Campos, na Praça da República (Centro de São Paulo), diploma que habilitava ao ensino de crianças, na escola primária. Fenômeno recente no panorama brasileiro, a “normalista” abria a perspectiva da emancipação feminina através do trabalho. Simultaneamente, Pagu assistiu aulas no Conservatório Musical. Por este tempo, Pagu foi apresentada por Raul Bopp a Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, figuras de proa do Modernismo. Com sua formosura juvenil, charme e comportamento inconvencional, Pagu abalou o cenáculo modernista; a exuberância da cabeleira, a boca polpuda, os olhos derramados – registrados no célebre poema que lhe dedicou Raul Bopp, “Coco Pagu” – tornaram-se sua marca registrada. Recém-saída de um concurso de beleza em sua cidade natal, a moça foi tragada pelo turbilhão da sociabilidade modernista, brilhando em festas e saraus paulistanos nos quais declamava a poesia de seus novos amigos. Em 1929, Pagu e Oswald de Andrade passaram a viver juntos. Num gesto típico de escândalo modernista, celebrariam sua união numa cerimônia de casamento ao pé do jazigo da família de Oswald, no Cemitério da Consolação. Dessa união, com cinco anos de duração, nasceu um filho, Rudá Poronominare Galvão de Andrade. Pagu participaria intensamente da fase antropofágica do Modernismo e prestaria colaboração à Revista de Antropofagia com desenhos, contos e poemas. No ano seguinte, ela viajou de navio a Buenos Aires, no intuito de participar de um recital e tentar encontrar Luiz Carlos Prestes, que ali vivia em exílio, mas não o encontrou. Entretanto, durante o percurso, fez amizade com Zorrilla de San Martin e travou contatos na área literária com o grupo de escritores da revista Sur: Jorge Luis Borges, Victoria Ocampo, Eduardo Mallea. À volta, ela trouxe livros e outros materiais marxistas. Já em São Paulo, Astrojildo Pereira, intelectual fundador do PCB, procura o casal. Pagu, cativada, passou a traduzir panfletos a seu pedido, declarando com entusiasmo dedicar-se doravante à “causa dos oprimidos”. Com a crise econômica que estourara em 1929, abriu-se passo a uma reconfiguração de forças, com radicalização de intelectuais, à direita e à esquerda. Encerrava-se a década de eclosão e fastígio do Modernismo, baseada numa fusão de vanguardistas com mecenas cafeicultores. Nesse processo, em 1931 Patrícia e Oswald filiaram-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e passaram a militar pela revolução. Ainda em 1931, o casal fundou o tabloide O Homem do Povo, que duraria apenas oito números. Hostilizado pelos estudantes da vizinha Faculdade de Direito – que chegaram a invadir a redação –, acabou proibido por ordem policial. Após o fechamento do periódico, Pagu e Oswald decidiram embarcar para Montevidéu, onde finalmente se encontraram com Prestes. Juntos, passariam dias conversando, tendo formado uma forte conexão. Pagu data deste encontro sua conversão definitiva à luta política socialista, tal o poder de convicção do líder. Sentindo-se ignorante, daí em diante Pagu procurou estudar, e mergulhou na militância. Sua primeira prisão se deu nesse ano de 1931, em Santos – maior porto do Brasil, escoadouro da riqueza principal de então, o café –, quando participou de uma greve após ser designada para militar na organização do Socorro Vermelho. Logo solta, trabalhando como operária, discursou no palanque do comício de uma greve de estivadores e foi novamente presa quando acudia um manifestante baleado pela polícia. O episódio ganhou primeira página em A Tribuna, de Santos, com o nome de Patrícia Galvão em manchete sensacionalista e acusadora. É deste evento que data sua reputação de ser a primeira mulher presa política no Brasil. Contudo, a reação do PCB diante do escândalo armado pela mídia foi negativa: a origem pequeno-burguesa de Pagu seria atacada num manifesto que desautorizava sua atuação – como agitadora individual – no palanque do comício. O período que se segue é de dificuldades para Pagu e Oswald. A polícia mantém constante vigilância sobre suas ações, forçando-os a redobrar os cuidados. Então, em 1932, o PCB recomenda a transferência dela para o Rio de Janeiro. Iniciou-se então sua fase carioca. Vivendo em um cortiço, viu-se proibida pelo partido de trabalhar no Diário da Noite, por ser esta uma atividade considerada “intelectual” – enquanto o PCB considerava necessário que ela passasse por um processo de “proletarização”. Depois de procurar em agências e tentar colocações como empregada doméstica ou de fábrica, conseguiu um posto como lanterninha de cinema na Cinelândia, passando a agir na organização de um sindicato dos trabalhadores de cinema e casas de diversão. Descoberta pelos patrões, foi despedida, indo então trabalhar como operária numa metalúrgica. Em seguida, foi nomeada para a Conferência Nacional do PCB e designada para participar da segurança – o que lhe trouxe muita alegria, reforçando sua fé na luta política e no comunismo. Nessa metalúrgica, ela organizou duas células, mas, ao adoecer, perdeu o emprego, ficando em situação precária. Assim, o PCB ordenou que voltasse a São Paulo e passasse a militar no meio intelectual. Corria o ano de 1932; na esteira do movimento separatista de São Paulo, ela e Oswald receberam ordem de prisão e passam à clandestinidade. Neste contexto, o partido – que então vivia sua fase “obreirista” (de valorização de operários na direção, em detrimento de intelectuais) – abriuContinuar lendo “O marxismo de Pagu”

O marxismo de Emilio Frugoni

Ensaísta, poeta, crítico de teatro, professor de Literatura e de Direito, editor e político, foi fundador do Partido Socialista de Uruguay e um dos pioneiros do marxismo uruguaio Por Natalia Tahara e Mateus Fiorentini * FRUGONI, Emilio; “Urgonif”; “Imulio Ergonif”; “Tritón” (uruguaio; Montevidéu, 1880 – Montevidéu, 1969). 1 – Vida e práxis política Emilio Frugoni nasceu em uma família com formação católica e oriunda das camadas médias urbanas, filho de Domingo Frugoni, imigrante italiano e comerciante, e de Josefina Queirolo de Frugoni, mestiça (criolla). Ainda no século XIX, aos 16 anos, Frugoni já colaborava com jornais estudantis influenciados pelo Partido Colorado, como Los Debates e El Bombo. Os conflitos que marcaram a passagem para o século XX no Uruguai são resultados de anos de polarização política entre o Partido Nacional (os blancos) e o Colorado – ambos oriundos do processo de independência do país. Durante o período que começou por volta de 1870 e se estendeu até 1904, deu-se a consolidação da formação nacional moderna e capitalista uruguaia. Foi neste cenário em que Frugoni se inseriu no mundo da política – tendo inclusive uma breve participação na guerra civil de 1897 e na revolução de 1904, nas quais lutou pelas fileiras coloradas. Por estes anos, ao lado de Enrique Rodó (expoente do pensamento nacional uruguaio) e Carlos Reyles (escritor e ensaísta), impulsionou o Club Libertad que mobilizava os jovens identificados com o batllismo, corrente política do colorado José Batlle y Ordóñez, que governou o Uruguai entre 1903 e 1907, e entre 1911 e 1915, implementando reformas sociais. O país esteve marcado, desde sua independência (1828), por conflitos entre os partidos Blanco e Colorado, que funcionavam mais como frações políticas das oligarquias, que como partidos políticos. Estes embates marcaram a entrada da sociedade uruguaia no século XX, não sendo apenas conflitos entre caudilhos, mas o momento em que teve início a construção de projetos nacionais e a consolidação das bases que viriam a fundamentar a democracia liberal burguesa no país. Desencantado com os partidos tradicionais, ainda moço Frugoni se afastou dos colorados, aproximando-se do movimento operário – de orientação socialista. Em 1904, logo após a guerra civil, vinculou-se ao Centro Obrero Socialista, agrupamento fundado em 1896, que reunia adeptos do socialismo científico. Em dezembro deste ano, em um ato público realizado no tradicional Teatro Stella d’Italia, proferiu a conferência intitulada “Profesión de fe socialista”, evento que expressou um momento determinante para a produção intelectual de Frugoni, assim como para a constituição de sua interpretação acerca da formação social do Uruguai. Nesse período, em que estudava Direito e já dispunha de certo prestígio como poeta e polemista junto aos círculos intelectuais de Montevidéu, participou de vários concursos literários e deu aulas na Facultad de Enseñanza Secundaria (1905-1907); foi também cronista teatral nos periódicos Diario Nuevo (1906) e El Día (1908-1911). Em 1910, formou-se em Direito na Facultad de Derecho y Ciencias Sociales – e, com outros companheiros, fundou o Partido Socialista de Uruguay (PS). Nas eleições deste ano, Frugoni elegeu-se deputado pela Coalición Liberal-Socialista, tornando-se o primeiro deputado socialista eleito no Uruguai – e um dos primeiros na América Latina. Ao longo de toda sua trajetória parlamentar, ocuparia o cargo por cinco vezes (1911-1914, 1920-1921, 1928-1933, 1934-1939, 1940-1942), havendo inicialmente se notabilizado por sua postura crítica ao segundo mandato de Jose Batlle y Ordoñez (1911-1915) – apesar de ter apoiado algumas de suas reformas. Foi também membro da Assembleia Nacional Constituinte, que funcionou de 1916 a 1917. Neste período de dezesseis anos na vida parlamentar, elaborou projetos sobre temas relacionados ao trabalho, como: reajuste salarial; trabalho da mulher e da criança; trabalho noturno; jornada de quarenta horas semanais de trabalho; direito à moradia para trabalhadores. Entretanto, a eclosão da Revolução Russa, em 1917, produziu um impacto determinante para os rumos do PS, bem como da trajetória política de Frugoni. A chegada dos bolcheviques ao poder na Rússia dividiu os socialistas, da mesma forma que o conjunto do movimento revolucionário uruguaio, entre aqueles que apoiavam a experiência russa, e os que a criticavam ou se opunham. Aqueles grupos que se identificavam com a Revolução de Outubro comandada por Lênin foram identificados como maximalistas, sendo liderados por Eugenio Gómez; já entre os críticos encontrava-se Frugoni, que simpatizava com os revolucionários de Fevereiro e a ala menchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Com a criação da Internacional Comunista (IC), em 1919, abriu-se nova polêmica no PS – agora em torno de sua adesão a esta organização –, o que marcaria os debates do VIII Congresso do partido no ano seguinte. No entanto, devido a dificuldades de comunicação, as 21 condições exigidas para o ingresso de partidos à IC tardaram em chegar ao Uruguai, o que reabriu as discussões que pautariam o VII Congresso Extraordinário do PS, em 1921. Na ocasião, aprovou-se por ampla maioria a adesão do partido à III Internacional, e sua consecutiva mudança de nome – passando a se chamar Partido Comunista de Uruguay (PCU). As discrepâncias com a nova linha adotada levaram ao desligamento de Frugoni, quem ainda em 1921 refundaria, ao lado de alguns poucos companheiros, o Partido Socialista. Entre 1926 e 1933, paralelamente a suas atividades políticas, tornou-se o primeiro professor da disciplina de Legislación del Trabajo y Previsión Social e diretor da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales da Universidad de la República (UDELAR), época em que protagonizou os debates acerca da Reforma Universitária.. Devido a sua resistência ao golpe de Estado do presidente Gabriel Terra (março de 1933), Frugoni foi preso no quartel de Blandengues (Montevidéu), sendo alguns dias depois deportado para Buenos Aires. Na Argentina, foi convidado pelo reitor da Universidad de La Plata, José Peco, a ministrar um curso sobre marxismo – o que originaria uma das suas principais obras, Ensayos sobre marxismo (1936), fruto da publicação do compêndio de conteúdos de suas aulas. Em 1934, regressou do exílio ao Uruguai, dedicando-se a função de deputado, após ter renunciado ao cargo de diretor da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales. Na década seguinte, foiContinuar lendo “O marxismo de Emilio Frugoni”