Enquanto as tropas da direita desfilam força, coesão, disciplina e vontade política, as forças da democracia mostram fragilidade e divisão. Por Joana A. Coutinho * e John Kennedy Ferreira ** Set/2021 O claro reflexo da ausência de comando são os atos em oposição a Bolsonaro que tivemos em todo Brasil, mesmo no Anhangabaú e Candelária, foram pálidos e revelaram muito de nossa fragilidade e debilidade. Aqueles que julgavam bravata o chamamento de Sérgio Reis, Zé Trovão e outros líderes de extrema direita à paralisação do país, a partir do locaute de transportadoras e do agronegócio, a partir de 7 de setembro devem estar revendo suas análises e os termômetros pelos quais medem a temperatura da sociedade e do país. Aqueles que julgam o isolamento institucional, do presidente Bolsonaro, como parâmetro devem acordar para o fato que o movimento contrarrevolucionário comandado pela extrema direita não visa conquistar apoio das instituições, e sim, a destruição e aniquilamento como estratégia e o bloqueio e desmoralização como tática diária. Estamos frente a uma guerra de movimento e a ação de Bolsonaro mostra comando forte e centralizado: deixa para trás soldados caídos – mesmo com patente –, sem qualquer apego moral ou sentimentalismo, como ficou claro no caso de Daniel Silveira. Avançam centralizando, disciplinando… O espetáculo que vemos hoje em 9 de setembro, com caminhoneiros bloqueando estradas em 16 estados; o alerta máximo contra invasão do STF; e, o desafio colocado por Bolsonaro a toda a democracia nos diz muito: (1) Bolsonaro saiu fortalecido das manifestações de 7 de setembro, centenas de milhares foram as ruas pedir golpe de estado e estado de sítio; outros milhões torceram de suas casas, nem nas diretas todo o povo foi a rua, nem na Revolução Francesa ou Russa todo povo foi às ruas; (2) Mostrou um comando hiperdisciplinado e capaz de mobilizar e comunicar-se com a sociedade como um todo; (3) Mostrou-se forte junto aos setores militares e colocou em xeque o comando dos governadores que tiveram (e estão tendo) dificuldades de controlar suas unidades armadas; (4) Mostrou uma tropa de ação rápida que tomou a Esplanada dos Ministérios e imediatamente paralisou o país e a economia nacional colocando em evidência a fragilidade da legalidade democrática e das instituições; (5) Mostrou grandeza ao recuar e dizer que ainda não é o momento, tal qual aconteceu com o fascismo italiano, alemão e japonês, os líderes mais radicais são afastados ou isolados para permitir uma ação mais ampla com setores conservadores e mesmo liberais, talvez Zé Trovão caia em desgraça nesse processo; (6) Mesmo com todo desrespeito a instituição, mesmo com toda inconstitucionalidade, deixou claro a anemia das instituições democráticas, sua fragilidade e falta de apoio e força. Nenhuma instituição tem força para impetrar uma medida judicial contra Bolsonaro e nenhuma tem capacidade para fazê-la cumprir; (7) Ciente que ainda não é o momento da ação, recua, mostra grandeza dizendo que não quer o pior, pede serenidade aos caminhoneiros e coloca na mesa um diálogo tutelado ao STF, Senado, Congresso, aos governadores etc. Bolsonaro e os bolsonaristas, sabem que estão por cima. Frente ampla em defesa da democracia Enquanto as tropas da direita desfilam força, coesão, disciplina e vontade política, as forças da democracia mostram fragilidade e divisão: Ciro briga com Lula, PSOL briga com PT, trans brigam com militantes do PCB na passeata do Rio, liberais brigam com progressistas e socialistas e etc. O claro reflexo da ausência de comando são os atos em oposição a Bolsonaro que tivemos em todo Brasil, mesmo no Anhangabaú e Candelária, foram pálidos e revelaram muito de nossa fragilidade e debilidade. A favor tem o fato de que ficamos a semana toda polemizando se iria ou não ao Grito dos Excluídos, convocado pela Igreja há muitos anos. Este é o momento em que devemos aprender com a história, os socialistas e progressistas, a longo tempo viram-se obrigados a fazer acordos e alianças, muitas vezes com setores hostis as suas preposições. Assim foi na luta pela abolição da escravidão e República: houve alianças com os positivistas do exército e mesmo, setores reacionários do Partido Republicano Paulista, setor, escravagista. Em 1924, os setores do PSB e PCB buscaram aliança com setores do tenentismo e das frações liberais e oligárquicas para enfrentar o governo autoritário de Arthur Bernardes, frente a ditadura Vargas, foi necessária a construção de uma ampla frente com liberais, oligárquicas, conservadores e assim reestabelecer a democracia. Para deter o golpe de 1954, o PTB e o PCB, buscaram a aliança com setores do Exército, frações das oligarquias agrárias, industriais etc. Para Jango tomar posse foi necessário articular ampla frente. No processo de redemocratização, vimos a composição de uma frente ampla contando com a participação de Aurélio Chaves, vice-presidente do ditador João Figueiredo e com setores que apoiaram o golpe de 1964 como Tancredo Neves ou Teotônio Vilella. O mesmo aconteceu com o impeachment de Fernando Collor, foi preciso que se somasse com os ex- aliados de Collor, com o vice Itamar Franco, com o ex-coordenador de campanha, senador Renan Calheiros, Jader Barbalho etc. A mesma coisa se apresenta hoje: frente à ameaça real de um governo fascista é preciso somar-se a todos os setores que mantêm divergências e diferenças com o fascismo e assuma a defesa do Estado de Direito. Isso significa uma ampla frente em defesa da democracia, por nosso turno, precisamos articular a frente das esquerdas e dos setores progressistas para mudar o Brasil, nesse sentido é preciso fazer uma ampla autocrítica e enfrentarmos nossas debilidades. Hoje, temos forças revolucionárias no facebook e republicanos nas ruas, temos teóricos de twiter e mudos nas ruas e calçadas dos bairros periféricos, enquanto a fome e o desemprego se multiplicam. Não estamos conseguindo mobilizar o povo, os trabalhadores, os bairros, as escolas, as faculdades e os movimentos sociais, na verdade é a democracia que caminha para o isolamento. Caso não revejamos o curso em pouco tempo o discurso autoritário e a vanguarda autoritária terão capacidade suficiente para mudar o regime. A ameaça de um regime fascista ouContinuar lendo “7 de setembro, a vitória de Bolsonaro”
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A tribo, o Estado e a guerrilha no Afeganistão
Líderes tribais, senhores da guerra, guerrilhas e agentes do Estado conformam, há décadas, um tabuleiro político dinâmico marcado por relações que se revezam entre o clientelismo e o conflito aberto Por Pedro Curado* A queda de Cabul representou não somente o fim de um governo alinhado aos Estados Unidos na Ásia central, mas evidenciou a fragilidade conceitual dos programas de “construção nacional” (nation-building) aplicados à periferia global. Ashraf Ghani, o agora ex-presidente afegão, é, ele próprio, um especialista no assunto. Em seus antigos cursos ministrados nas universidades estadunidenses de Beckley e Johns Hopkins, ensinava que a ajuda externa para os “Estados falidos” deveria fomentar a construção de estruturas estatais que emulassem aquelas existentes no Ocidente “desenvolvido”. Os problemas por detrás desse projeto foram reconhecidos pelos próprios agentes estadunidenses, como ficou demonstrado no escândalo de 2019 conhecido como “Afghanistan papers”. Ali, relatórios desclassificados do SIGAR, a agência estadunidense responsável por destinar fundos para a reconstrução do Afeganistão, evidenciavam tanto a dimensão ideológica dos programas adotados (eram, basicamente, irrealizáveis), como também o incômodo daqueles operadores que, no Afeganistão, viam-se constrangidos a aplicar planos bem ajustados a teorias forâneas, mas em descompasso com aspectos particulares da realidade econômica e política afegã. Recentemente, a mesma incompreensão do que ocorre no Afeganistão foi manifestada pelo presidente Joe Biden, ao culpar os afegãos por se recusarem a defender o próprio país contra o Talibã e, assim, permitir a rápida queda de Cabul. Também ali, Biden parece projetar no Estado afegão a imagem dos Estados nacionais ocidentais, isto é, uma organização política forte e centralizada, na qual as decisões adotadas pela elite estatal atingem efetivamente o conjunto da sociedade submetida àquele poder. Tal Estado estaria apto a mobilizar os recursos disponíveis em suas estruturas para garantir o “monopólio da violência legítima sobre o território”, como diria Max Weber. Mas esse modelo jamais existiu no Afeganistão, e a ocupação estadunidense não logrou contribuir para a transformação de um ambiente marcado pela ausência de uma unidade política capaz de sub-meter as diferentes forças a um só poder. Assim, líderes tribais, senhores da guerra, guerrilhas e agentes do Estado conformam, há décadas, um tabuleiro político dinâmico marcado por relações que se revezam entre o clientelismo e o conflito aberto. Cada um desses atores age em grande medida de forma bastante autônoma, posto que na prática “governam” fatias da população e do território afegão, e dispõem de recursos financeiros e militares próprios. Por vezes, associam-se entre si, quando o momento demonstra ser conveniente, mas os arranjos cooperativos facilmente se transmutam em rivalidades quando as circunstâncias mudam. O sistema tribal afegão A distribuição de uma população majoritariamente rural (cerca de 74% do total) em um território geograficamente acidentado explica, em certa medida, as dificuldades para se romper com o ambiente de fragmentação política. O país apresenta, grosso modo, três grandes zonas ecológicas, sendo elas o deserto (na maior parte da região sul, em uma faixa ao norte e ao leste, próximo à fronteira com o Paquistão), as estepes (entre as zonas desérticas e as montanhas) e, finalmente, a região de montanhas, formada pelo Inducuche (“assassina de hindus”), uma ramificação da cordilheira do Himalaia. A maior parte da população está dispersa em pequenos vilarejos pobres situados em enclaves montanhosos de base econômica pastoril e limitada agricultura. A geografia acidentada, somada à existência de comunidades dispersas em grupos pequenos e em zonas relativamente distantes e de difícil acesso favoreceu a consolidação de lideranças políticas locais com significativa autonomia frente aos comandos da capital. As comunidades do interior reproduziam suas formas de existência apoiadas em laços de parentesco e vínculos étnicos, respeitando hierarquias locais tradicionalmente constituídas e culturalmente legitimadas. As principais etnias que compõem a população afegã são os pashtuns (40% do total), tadjiques (25%), hazaras (10%), uzbeques (10%), além de minorias como turcomanos, baluchis, nuristaneses, quirquizes e cazaques. Cada grupo étnico é composto por diferentes tribos e clãs que interagem entre si e compartilham referências culturais, linguísticas e religiosas. A etnia pashtun, que se estende também pelo Paquistão, está dividida em quatro grandes confederações (batani, sarbani, ghourghusthi e karlani) que englobam, cada uma, diferentes unidades tribais. O elemento cultural a unificar todas elas é o pashtunwali, o código de conduta e de honra pashtun. Thomas Barfield, no livro “Afghanistan: a cultural and political history” (2010), chama a atenção para que as confederações tribais pashtun tradicionalmente rivalizem entre si pela obtenção de postos de chefia no Estado afegão. Ao longo do século XX, a maior parte das autoridades políticas afegãs saiu da tribo pashtun “durrani”, situada majoritariamente na região de Candaar e vinculada à confederação tribal pashtun “sarbani”. Segundo Barfield, a razão da prevalência de membros de certas tribos no cenário político nacional tem a ver também com aspectos culturais. Por exemplo: a tribo dos “durrani” aceita hierarquias e tem historicamente fortes conexões com as cidades e o comércio, além do acesso a terras irrigadas, graças ao apoio do poder em Cabul. Em contrapartida, a tribo pashtun “guilzai” possui uma organização social mais igualitária, e tradicionalmente se recusa a reconhecer autoridades forâneas, reivindicando um autogoverno. Como resultado, a maior autonomia local vem acompanhada do isolamento político em relação ao centro, e se reflete no baixo desenvolvimento econômico, na frágil educação e no provimento mínimo de serviços públicos. Tal sistema tribal afegão não deve ser compreendido como um vestígio de um passado distante, mas uma forma alternativa de organização política, adaptada à topografia e flexível a ponto de acompanhar as mudanças no ambiente cultural. As tentativas de criação de um Estado burocrático moderno ao longo da ocupação dos EUA esbarraram, portanto, em forças centrífugas que historicamente mantiveram zonas de povoamento periférico, resistentes à centralização do poder na capital. Os senhores da guerra Nas últimas décadas, o ambiente social e cultural das zonas periféricas foi fortemente impactado pelos ciclos de guerra. Como resultado, formaram-se lideranças militares que souberam manter-se no poder de certas regiões, mesmo em períodos de paz. Na guerra contra o governo afegão apoiado pelos soviéticos, toda uma nova geração de combatentesContinuar lendo “A tribo, o Estado e a guerrilha no Afeganistão”
Acerca de Freixo
Deputado desembarcou do PSOL em direção a um amplo arco de alianças, no intuito de formar uma frente eleitoral contra a extrema direita nos cenários estadual e nacional Por Wanderson Fabio de Melo* Tenho lido muito moralismo sobre a saída de Marcelo Freixo do PSOL. Entretanto, como dizia Karl Marx, “o moralismo é a impotência posta em ação”. Penso que devemos compreender as circunstâncias e as condições desse acontecimento político, com vistas a entender o que se passa, isto é, buscar o que levou à transferência de uma das principais figuras públicas do Parido do Socialismo e Liberdade ao PSB (Partido Socialista Brasileiro) e, por consequência, a sua nova ação ideopolítica para o Rio de Janeiro e o Brasil. Freixo desembarcou do PSOL em direção a um amplo arco de alianças, no intuito de formar uma frente eleitoral contra a extrema direita nos cenários estadual e nacional. A candidatura Freixo pelo PSB ao governo do Rio de Janeiro poderá juntar as forças políticas no estado e se somará ao apoio à candidatura de Lula ao Executivo federal. Alvora-se que o “radicalismo” do PSOL impediria que uma figura do partido encabeçasse a chapa com possibilidades eleitorais. De acordo com essa avaliação, Freixo deixou o PSOL e está cercando-se de políticos e personagens outrora adversários, como os setores da direita moderada, para recompor o tecido social no estado, que está dominado pelas milícias e a extrema direita. Propala-se o esforço de “civilização contra a barbárie”. Indiscutivelmente, Marcelo Freixo foi durante muito tempo o quadro mais importante do PSOL. Freixo traz a história fortíssima de uma família atacada pela milícia e, além disso, está jurado de morte pelo poder paralelo, a ponto de não poder se dirigir à determinados territórios do Rio de Janeiro. Apesar das dificuldades, Freixo é um parlamentar que sabe trabalhar com muita competência no Legislativo, com destaque importante na chamada CPI das Milícias, na Alerj. Mas não só. Sem sombra de dúvidas, a saída de Freixo resulta no desfalque a ser sentido no PSOL, que perde em votos (isso deve ser considerado em um partido parlamentar em tempos de cláusulas de barreira), expressão social e quadro político de referência para muitos dos seus militantes e eleitores. Dois elementos a destacar na trajetória de Freixo na fase do Socialismo e Liberdade: o primeiro, a importância das questões dos Direitos Humanos na cidade do Rio de Janeiro, no estado e no Brasil. Freixo emergiu politicamente com essa pauta. A formação social brasileira e o seu capitalismo dependente e subordinado deixam evidente a incapacidade de se garantir as condições jurídicas mínimas ao povo pobre das periferias e favelas, dominadas ou pelo estado autocrático, ou pelos poderes paralelos do tráfico e das milícias. Não há garantia de direitos básicos aos trabalhadores precarizados em vários territórios do Brasil. Sendo assim, os temas dos Direitos Humanos tornam-se relevantes em todo o país. A trajetória corajosa de Marcelo Freixo tem ensinado isso a quem quiser aprender. O segundo elemento que se deve reconhecer é que Freixo (assim como todo o PSOL, sobretudo no Rio de Janeiro) representou a crítica às políticas de conciliação de classe do petismo, em especial à aliança política de Lula com Sérgio Cabral, o antigo rei do Rio. O nome de Freixo e o PSOL se consolidaram no cenário político fluminense na denúncia às negociatas com dinheiro público que jorrou na exploração/especulação petrolífera do pré-sal e nas farras das Olimpíadas, Copa das Confederações e Copa do Mundo Fifa, com profundo impacto no Rio de Janeiro. Em síntese, Freixo e o PSOL representaram, consciente ou inconsciente, a crítica ao “novo-desenvolvimentismo” com base nas commodities e nos megaeventos, que favoreceram a condução do espaço urbano fluminense como negócios em todas as suas esferas. Freixo/PSOL compuseram a voz contra a especulação imobiliária, as remoções, os despejos, às violências estatais e paraestatais. Em decorrência das ameaças de morte que sofre, a presença de Freixo impõe a necessidade do aparato de segurança com o intuito de garantir a sua vida (a primeira vez que vi, confesso que fiquei impressionado, nunca tinha observado nada similar). Freixo e o PSOL representaram o enfrentamento ao “crescimento econômico” problemático da “era Lula”, que proporcionou o “milagrinho econômico” ao capital, enquanto que para a população pauperizada veio o encarecimento do espaço urbano e a precarização das condições de vida. Foi neste contexto que o PSOL construiu a sua viabilidade no Rio de Janeiro, como expressão parlamentar crítica às negociatas de Cabral e a modernização do lulismo, tendo Freixo um protagonista importante neste processo. Contudo, a despeito dos esforços, não se conseguiu transformar a expressão social alcançada pelo Partido do Socialismo e Liberdade no parlamento em organização popular, desde a base, nas comunidades fluminenses. Talvez resida aí os limites de Freixo e a experiência do PSOL até a atualidade. Óbvio que se tentou enraizar com os trabalhos políticos nas favelas, as ações de Marielle Franco no mandato de Freixo e no PSOL intentaram esse caminho, objetivo ainda não alcançado. A campanha à vereança de Marielle ganhou impulso após a declaração de apoio e voto de Chico Buarque, proeminência no mundo da cultura, não foi pela organização nos bairros e nas comunidades. Vale destacar que existem experiências e pessoas atuando fortemente com vistas a organizar a população, mas ainda não tem sido suficiente. Deve-se lembrar que a combativa vereadora Marielle Franco, ex-assessora do deputado Freixo, foi assassinada por ex-policiais vinculados às milícias. Ao invés da organização popular autônoma, nos subúrbios cariocas, o que se teve foi o crescimento do poder paralelo das organizações criminosas do tráfico de drogas e dos milicianos, com a benção de certos agentes do cristianismo fundamentalista e da teologia da prosperidade. As esquerdas não conseguiram alavancar a organização popular nas comunidades. Das várias diferenças identificadas na formação do PT em relação ao PSOL, deve-se considerar que o Partido dos Trabalhadores foi constituído no crescimento das lutas sindicais e populares, ademais, a sua construção como partido organizado nacionalmente levou toda a década de 80 do século passado, queContinuar lendo “Acerca de Freixo”
Precisamos falar sobre Pagu
A percepção do posicionamento militante e pioneiro da “Mulher do Povo” pode ser um dos caminhos para o melhor entendimento dos desmandos que a torpe elite brasileira impõe às trabalhadoras no país Por Paulo Alves Junior* No dia 26 de abril, o projeto de lei que prevê multa para empresas que pagarem salários distintos entre homens e mulheres que exerçam a mesma profissão retornou à Câmara dos Deputados. Ele já havia sido aprovado pelo Senado em março, mas o deputado e presidente da Câmara, Arthur Lira, solicitou à Presidência da República a volta do projeto. O recente ocorrido é apenas um dos diversos retratos contemporâneos do diálogo sobre a questão de gênero no Brasil. Nesse caso, aponta a necessidade existente da tramitação de leis que assegurem os direitos das mulheres. O cenário ressalta a histórica falta de equidade que acompanha a sociedade. Se voltarmos no tempo, há exatos 90 anos atrás, no mesmo mês, o jornal “O Homem do Povo” lançava sua última edição. Nele, o tema foi debatido de forma notória e inédita na sociedade brasileira, devido à coragem e força de uma ativa militante intelectual: Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962). No começo dos anos 30, Pagu destoava do contexto nacional com sua veia crítica e polêmica, utilizando seu vasto repertório cultural para chamar a atenção sobre o papel das mulheres no campo da luta de classes. Pagu tinha convicção que a mulher numa sociedade desigual, tal como a brasileira, nunca fora alheia ao trabalho. A força de trabalho feminina é decisiva para a sobrevivência da família e enfrentava alto grau de exploração, sendo essa uma das marcas que o capitalismo cruento vigente impunha às trabalhadoras. Pagu ganhou espaço nas páginas do pasquim “O Homem do Povo”, que tinha como idealizador Oswald de Andrade. Nomeada de “A Mulher do Povo”, sua coluna era marcante por escancarar o quadro de desigualdade e preconceito que inundam o mundo do trabalho, principalmente no que tange o trabalho feminino. “O Homem do Povo” teve vida curta ao contar com apenas 18 dias de existência entre março e abril de 1931. Além do forte teor satírico e crítico inerente ao folhetim, Pagu chamou a atenção em suas páginas para as condições de debilidade e descaso com que as trabalhadoras eram tratadas, criticando os hábitos e valores da burguesia paulista e escrachando o provincianismo presente no começo do século XX. Com a verve afiada e já em trânsito para incursões comunistas, Pagu apontou o dedo e desfilou sua fina ironia ao retratar também os traços de aversão e pré-julgamentos direcionados às trabalhadoras por mulheres da elite paulistana. Destaco aqui o seu primeiro artigo, escrito para o número 1, lançado em 27 de março de 1931, intitulado de “Maltus Alem”. Pagu tece críticas as “feministas burguesas” que defendem o voto para apenas “mulheres cultas” em detrimento das operárias sem instrução; argumenta com a falta de tempo “com o trabalho forçado a que se tem de entregar para a manutenção dos seus filhos…” exemplifica a falta de apreço aos princípios equitativos tão necessários para tessitura social do país. Ou mesmo em “Normalinhas” no número 8 a respeito das “abomináveis burguesas”, escreve “E não raro se zangam e descem do bonde, se sobe nele uma mulher do povo, escura de trabalho” A percepção do posicionamento militante e pioneiro da “Mulher do Povo” pode ser um dos caminhos para o melhor entendimento dos desmandos que a torpe elite brasileira impõe às trabalhadoras no país. Assim, como há 90 anos, Pagu é cada vez mais necessária. * Paulo Alves Jr. é professor da Unilab (Bahia) e coordenador do Núcleo Práxis da USP.